segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

eu e você (de carnaval)

De som só o quebrar das ondas, o vento brando. A escuridão. Seus corpos entrelaçados, amados, alcoólicos. O vinho se derramava nas peles, a saliva entre os poros. A areia era cama, o sal, a lua em cheia. Palavras sussurradas, os labirintos dos cabelos, entrelace de dedos, de pernas.
Ama-se tão docemente, as horas que não existem, o cheiro de flor que inda persiste nesses fios de cabelos negros. O tempo que não acorda, passa jangada, passa o bloco com o frevo que parece morrer em folia.
Quando amanhecer, quando o mar parir o sol, entre as sobras e restos, entre qual amor.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

sobre as serpentinas

Entre o colorido dançante da roupa do caboclo de lança, seus olhos se cruzaram. Atravessando a rua, seus olhos, entre tanta gente. O asfalto quente e o vento marítimo. As serpentinas colorindo o céu, os confetes sujando o chão, as luzes.
A noite pode ser assim: quente como coração. Como esse coração do lado direito da rua, que fervia, queimava. Ao passo do instante. A um passo do sorriso de infinito.
As mãos paralisadas, cada qual segurando seu álcool efervescente. Do lado esquerdo, os pés que acompanhavam o tocar, agora também paralisados. Porque algo não era mais, nem vento, nem som, nem cor. Algo era dentro, além de interior, um bloco a entoar.
Vê aquela flor na boca.
O cheiro de lança-perfume, o cheiro de felicidade, um coração de lirismo. A pele que necessita.
A pele que implora o suor da outra, o álcool do sangue. Mesmo atrás da máscara que acobertava quase o rosto, os olhos se expunham, o sexo se fazia.
A boca que se abriu, de saliva, de coração acelerado.
Aquela serpentina última que caiu. O batuque do maracatu a levou, com suas cores, com seu pulsar. Mas o pulso ainda há. O asfalto ainda os separa. Não há mais ninguém, todos seguiram o cortejo. Menos o cheiro e os olhos. A máscara caiu. Ergue-se o passo.
Oh, quarta-feira findada, sobre as cinzas e as serpentinas, nasce um carnaval.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

amor-de-homem

“Avoa”, disse ele soprando.
E o vento que refrescava aquele meio-dia quente de sol nu, levou essa pétala de dente-de-leão que antes repousava entre seus dedos longos: entre seus sonhos. Seus pensamentos só eram de que o vento – esse mesmo vento que leva a pétala – que o vento traria um amor assim para ele.
É que dizem que quando se sopra uma pétala dessas de dente-de-leão (esse amor-de-homem) pensando ou pedindo um amor, dizem que quando você a vê retornar é sinal de que o amor, aquele amor que foi pedido, está próximo.
Então ele esperou pela pétala. Pelo vento. Pelos ares. Uma espera de desejo íntimo revelada somente nos olhos. Mesmo quando eles dormiam. E foram tantas noites, tantas lágrimas, tantos ventos alheios a ele. Tempo que nem se conta.
Até que veio janeiro.
E com janeiro veio aquele sorriso colorido de linhas tão amáveis. Vieram os braços que apertavam, os olhos que amavam, veio o coração que existia. Aquele amor para ele.
Serendipite.
Adentrou-lhe todas as portas e janelas. Deitou-se na cama: em seu corpo. Em seus pelos: fez aconchego. Dois.
E quando o vento lhe trouxe de volta aquele dente-de-leão, que pousou manso em seus pés, sob um mesmo sol, ele já sabia de antes, pois seu coração – que não era apenas seu agora – o coração já havia lhe tatuado amor nos dentes amarelos e em sua carne.
para Gu

domingo, 5 de fevereiro de 2012

em oferenda

Ela enfeita-se de branco na roupa, bordados, flores de chita, brincos de espelho, batom vermelho, dedos pesados de anéis que contam mais que os próprios dedos, unhas, pulseiras, penduricalhos, balangandãs. Seus pés estavam nus. Ou vestiam areia.
Fevereiro estava findando seu primeiro passo. Eram os últimos suspiros daquele dia. A noite se estrela em estrelas.
E ela também suspira: em fim.
Havia também escrito uma carta para essa mãe de orixás. Seu corpo era a folha reciclada. As palavras rabiscadas que se contorciam pelas suas curvas, como nos seios. As entrelinhas eram seu coração. Seus pontos: seus sinais. Os dentes brancos. Seus pelos eram. E seu vestido branco bordado cobria e guardava o que escrevera. Por que não é para os olhos de ninguém, apenas para as mãos dessa rainha do mar.
Seu corpo cheirava a incenso de maça com canela, vermelho, como as rosas que repousam na areia, livres do aperto de suas mãos intensas. De suas unhas rasgantes. Mas sua boca era de fumaça do cigarro que queimava.
O mar estava aberto. Chamava e se despedia. E seus olhos o penetravam imensamente. Os cabelos voavam em dança de encanteria. Pareciam negros que eram, ora pareciam azuis. Em dança de seu corpo parado.
Mas não havia relógios, nem ponteiros, mas fevereiro entrava em seu segundo passo. Ela bem sentia. E levantou-se quieta, apanhou as flores sujas de areia. Seus passos se marcavam na areia molhada do caminhar leve. As ondas tocavam seus pés, puxando-os, amando-os. Seu corpo em pano branco já se perdia nessas águas.
Águas que se abriam: como caminho. Seus pés já pareciam terem sido marcados ali. Pareciam estar em paz, em casa, em coração.
Até seus cabelos se marcarem qual água-viva que bóia na água, flutuando nesse mar que parece vinho.
O mar a engoliu qual vestido cobre o que é seu. Sua carne era comida.
Iemanjá a recebeu em oferenda. Em canto de flor.