segunda-feira, 21 de maio de 2012

a dança da trapezista

Em todo ar ouvia-se a melodia da caixinha de músicas e da bailarina a rodopiar em seu lugar. Esbranquiçada a girar frente aos espelhos do camarim que refletiam a mulher a se preparar. Fora a luz do abajur, seus olhos eram o que mais coloriam o espaço. Retocava o batom vermelho, o preto envolto dos olhos, a saúde para as maçãs do rosto. Sua roupa tão branca quanto a própria pele ao ponto de confundirem-se.
Confirma-se ainda mais expressiva cada linha do seu rosto marcado agora pelo sorriso penetrando-lhe música tecida pela caixa que dança a bailarina. E seus pés tratam de acompanhar a pequena valsa. Os pés descalços ao chão de madeira. As mãos voam entre seus cabelos ruivos tempestivos. Envolta no todo espaço seu aqui.
Ao som no picadeiro, a melodia da caixinha de música vai silenciando. É o anuncio do seu espetáculo debaixo da lona de colorido retalhado. Ela observa os cabelos, ajeita-os levemente ou prudentemente, desfaz-se do sorriso com o qual dançava e veste – ou talvez ensaie – o sorriso-público. É o guardar debaixo das cobertas a bailarina que serelepeia na solidão do camarim. E ser a trapezista de encantamento alheio.
De costume de tanto pedaço de mundo que já pisou, ela segue a olho-nu sem os sonhos que lhe são. Adentra ao picadeiro anunciada e aplaudida. Sobe pelo mastro mais alto enquanto fintam-lhe as crianças enfeitiçadas de cor. Lá em cima não vê o mundo. Agarra-se ao trapézio para voar. Infla os pulmões. Fecha os olhos. E vai.
Os cabelos riscam o céu enquanto corre no ar.
De trapézio em trapézio, ela é livre nos momentos em que voa. Como se fosse dança, ela gira e cambalhoteia. Como é dança o que sente, esquece-se de segurar-se. E o trapézio cruza vazio de mãos. E ela abre o sorriso até a imaginação.