domingo, 29 de setembro de 2013

marítimo

pele verde
pintada de sal e céu
é até mais funda epiderme.

mergulho
surdo
o som é o silêncio da respiração
e no fundo
o barulho
o quebrar da língua de água.

emerjo
coberto por cada gota
um animal estranho
marítimo
inda preso ao chão.

algo me chama
no sentido contrário
– rebentação.

sábado, 28 de setembro de 2013

poética de um cavalo

teu dorso exposto
minhas mãos passeiam sobre
e chegam a nuca
de tua pele negra:
eu cavalgo.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

fim

ao fim te deixei:
um coração ferido,
um amor desbotado,
um vírus incurável.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

sob a noite (noturno)

Toda noite é uma meia-luz. Até você chegar. Sempre alta madrugada e você vem com o sorriso mais feliz, chapada, cheirando a um perfume que não é o seu – que nem é o meu –, batom retocado e os mesmos olhos de flor. Deixa a bolsa no sofá, requenta o café que fiz para o jantar, acende o último cigarro – sempre o último e abre a cortina da cozinha. Hoje a vista é lua cheia cortada pelos edifícios adormecidos. A vitrola, ainda com o disco da Clara que você sempre coloca enquanto se arruma, agora ganha o francês nos tons de Piaf. Sempre o fim de tudo. E sai cantarolando baixinho desfilando entre os móveis em direção a mim.
Eu sempre finjo dormir, mas nunca consigo pregar o olho sabendo que você não está aqui. E é por isso que minhas olheiras que tanto te seduzem são tão evidentes. Você vem se esgueirando por debaixo do cobertor, sussurrando no meu ouvido, leve como se fosse dia., só para me acordar. Disfarço a preocupação e a raiva e abro meus olhos nos teus. Me beija no canto da boca e já começa a despejar suas teorias noturnas e detalhes de tudo onde não houve eu.
Tento me fazer escutar, mas só queira te agarrar pelos braços e te fazer ficar. Porque eu estou. Meu café é sempre forte por tua causa e até tenho o disco daquela banda que você adora, novinho em folha, esperando você ficar e desvirginar ele. Porque a casa é sempre tão vazia e, mesmo agora comigo acarinhando teu braço, você ainda não está aqui nem pela metade.
Chega a hora em que até você se cansa de falar, é quando já não há mais o disco rodando e você começa a se despir. Como nossa primeira vez há dois anos: ainda é uma descoberta do teu corpo. E você sabe se desenhar na meia escuridão que o abajur faz. È quando você é realmente minha. Não apenas pelo físico, por estar dentro de você, mas porque eu sei que agora você se entrega e finalmente diz o meu nome. E no final diz que me ama como nunca outro alguém.
Então você se ausenta em algum instante e eu solto foguetes dentro de mim porque sempre imagino que algo depois de tudo dito ecoou dentro de você. Mas no fim abro os olhos: tua ausência é ainda o cotidiano. Ainda danço sozinho no espaço que criei. Passos desconjuntados, sem ritmo e fortes. É tudo o que eu tenho dentro e fora de mim. Por isso me abstenho de abrir a porta e ir embora: mesmo que eu queira viver sob as estrelas, ainda sou pequeno para ser só sem teu abrigo.
Desligo o abajur e me encolho para caber em qualquer sonho que restou na escuridão.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

fuga

Disseram-lhe que era Pink Floyd que tocava no som do carro. Ela fechou os olhos, a cabeça ali, como que o peso dos pensamentos houvesse sido extirpado. Corria-se a mais de 100 km/h entre faróis e sinais. A noite era longa como um passo sem destino em sentido ao concreto. Corre os ponteiros do carro e dos relógios na velocidade do sangue pelas veias que nas artérias é contramão o sentimento – sangue alcoólico e inflamável: não o deixe corroer que mais difícil é a ferida.
A menina dança em transe dentro de si. Coração a bater. Ela sente frio nesse inverno que respinga, mas tem as mãos aquecidas por outras mãos que, não diria serem alheias, já que quase são extensão de si. E ainda há essa dança, a coisa mais leve que quase flutua, que quase lhe salta e voa, mas permanece no limite da pele e lhe causa esses sorrisos mínimos que parecem vivos e sonhos.
Aonde há espaço na mente, mas não diria realmente que isso exista. Nunca existiu. Há uma cabeça repleta na qual as coisas forçam espaço para se encaixar. Mas agora não pesa.
Fumaça nos olhos e pelos pulmões.
Ela está entregue, com seus dentes amarelos. Um coração acelerado. Se alguém gritar será um assobio. Pela janela há luzes correndo feito vagalumes, de imóvel só o real, o que fica. Hoje é um estado em movimento – dentro e fora. É perceptível o mínimo movimento das articulações mesmo quando não há. Porque não há. É o sentido de algo que fala no corpo e o que ela pensa é mais um pensamento, um próprio delírio. Tudo é dentro. É interno e límpido.
E ela solta a fumaça que tragou como se último suspiro, anuvia a vista e cai no próprio espaço de volta. Ela nunca esteve tão perto.