quinta-feira, 22 de julho de 2010

Minha saudade de agora

Sinto falta de teus braços, de teu perfume. Quero teu beijo e deitar na tua pele.
Não é esse tempo assim frio, essa chuva assim, que me faz querer isso. Tudo isso acentua de leve, pois já era uma necessidade minha.
Uma cama e nós dois, um filme e nós dois. É tudo que preciso.
Preciso chorar em você e você me consolar e você me acalmar e você me amar mais. Sentir assim, teu amor só por mim escorrendo na tua pele.
E só.
Sinto fome de tudo que é você.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Definição

Sou tudo aquilo que é sonho. Tenho olhos de quem voa e asas no coração. Um gosto amargo e insone, e um cheiro de roxo intenso.
Sou de felicidades e tristezas e inseguranças e certezas. Tenho tudo quase por completo, eu me vejo por inteiro, pois vivo inteiro. Tenho medos verdadeiros de coisas que não sei.
Sou inconstante.
E tenho feridas – poucas de guerra, muitas de amor – friáveis e cicatrizadas.
Sou amarelo como dentes, como sol.
Não sou forte.
Eu sou um pouco do que fui e do que serei. Sou agora. Sou um instante.

sábado, 10 de julho de 2010

Os Três-Mal Amados


Joaquim:

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto, mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés.  Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

Revista do Brasil – 1943
João Cabral de Melo Neto

terça-feira, 6 de julho de 2010

Sobre dizer amor

Não se diz “eu te amo” como quem respira: por que desgasta, corrói, estraga.  Não se diz como palavra fraca, como coisa nenhuma.
Não sinto obrigação de declarar meu amor toda vez que dizem me amar. Ele não é de retribuição. E nessas horas que não se tem bem o que dizer, o silêncio é habitável. Isso não quer dizer que eu não ame. É só que não houve a necessidade de dizer que amo por palavras que penetram o instante. Prefiro o sorriso, prefiro o abraço, e quem não acreditar que isso é amor também, é descrente de mim.
Eu digo que amo com a necessidade de viver, com a precisão de atravessar os olhos, com o querer de coração. E meu coração é constante. Não espere apenas palavras para se sentir amado. Toque-o e sentirá tudo de mim: tudo que me é verdadeiro, completo e forte.
Eu tenho sentimentos inteiros.

sábado, 3 de julho de 2010

Sou apenas

Por acaso percebi que ando mais seco e cru com algumas coisas. Pensei que agora o mundo estaria me desvendando, e assim eu estaria me transformando. Mas não. Se isso acontecesse eu não seria mais nenhum pouco do que ainda sou hoje.
Não me preocuparia com olhares, não teria medo de magoar, não perdoaria tão fácil, nem amaria tão intensamente e simplesmente.
Há uma frase de Clarice: “Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?” E assim me pergunto se esse meu estar seco/cru sou eu crescendo humano. Se sou eu me tornando tão igual como os outros.
E eu que não sei: apenas calo.
E se isso realmente for ser humano, eu não quero. Quero continuar sem entender o mundo e que ele também não me entenda. Pois é o que dá gosto ao dia. É o que me faz ser: apenas.