segunda-feira, 31 de outubro de 2011

até o tempo esquece

Ele volta a casa destruída, já abandonada. Paredes manchadas, cacos de vidro, tudo em escombro, livros em folhas rasgadas. Tudo que sustentou aquela casa agora jaz no chão batido, sem alarde. Tudo foi deixado para trás, qual a casca – exoesqueleto – de um coração antigo ferido. O homem fuça, caça, cheira o passado, o deixado, em busca de vestígios de algo vivo-colorido em amor. Mas não encontrará nada em aberto, pois todo resquício foi levado em cicatriz na carne, coisa profunda que penetra os músculos do coração e não só a pele.
Houve aquele que viu a casa ruir sobre seus pés, vidros lhe cortarem, seu sangue-amor derramado ao chão agora destroço – nada restou inteiro. Há quem morra e renasça com ruínas em construção.
Esse homem não deveria adentrar essa casa e revirar o já acabado e destruído. Não deveria riscar seu nome nas paredes que mesmo após tudo continuam brancas – brancas. Ele revira o empoeirado, as fotos, as palavras, as lembranças retorcidas. Seus pés sobre o inacabado e descolorido.
E vai embora, sem quem o visse, sem ser mais alguém.
para Otávio

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

perdida

A mulher que diz que não ama, apenas ama em silêncio, quieta. Coisa que é guardada em escuridão que nem os olhos a entregam. Amada, a mulher é além do próprio mundo, da fumaça tragada, da bebida que já é sangue.
    Abandonada, a mulher perde-se própria, mas a pele ainda é inteira. Os olhos imutáveis alegremente falsos mantidos como escudo que só desaparece sobre cobertores.
    A mulher couraça estanca a vida e o sangue alcoólico, vencida pelo amor que ela escreve não sentir. O que há de vir: tantos outros homens sem saudação ou despedida – aberto é seu corpo. Outra mulher instantânea para o acaso saí de casa com braço forte preparada para a morte ou o amor – e a carne.
    Essa mulher noturna é a mesma mulher que encontra o dia, mas não é aquela que se encolhe sobre o próprio corpo na solidão de toda noite.
para Cristiano