sábado, 30 de outubro de 2010

quebra-cabeça

Sou quase completo,
ainda que em pedaços,
o que aqui me falta
sobra ali,
onde aqui perco,
mais além encontro.
E sofro duplamente:
que o que sobra,
falta em alguém.
E o que me falta
será de quem?
Roberto Torta
(Beto para os íntimos, Betinho para os momentos de carinho,
Betoso para os momentos melosos, Betão para os momentos de safadeza e
chumbo feliz para mim. “Gosto muito de você leãozinho”)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

escoa

Amanheci a flor da pele: a pele descascada, descosturada. Entreaberta a porta, escoando. Escoa pelos dedos o tempo, pela goela o desejo, pela virilha o líquido, pelo coração o amor e sua falta e sua presença quase que feita, pelas linhas a impassibilidade e o desconforto de ser pessoal demais, de ser passional demais. Escoam pelos ouvidos algumas melodias, pelas veias a saudade, pela pele o suor da tarde e o frio da noite, pelas calhas a chuva dessa primavera. Pelos pés escoam a estrada acabada que tenta se recomeçar a cada grão de terra batido, pelo ar escoa a fumaça dos carros, pelo pulmão a nicotina e os odores de pessoas.
    Eu abafo. Tento escoar pelas mãos do mundo e me tornar seu, mas o mundo é pouco para mim, como eu sou pouco para ele. 

domingo, 24 de outubro de 2010

esperando e nada mais

E eu pego o telefone na necessidade de ligar para alguém. Era um momento que queria ter uma companhia especial, bem perto. Caço pela agenda os números, mas eu não tenho o seu número, eu não tenho você (ainda). E a agenda se faz cheia de números que deveriam ter sido apagados e eu os apago. No mesmo instante. Por que eu sei que me tornaria fraco e acabaria ligando. E fico pensando em você por mais alguns instantes, pensando em não ter o número de seu telefone para te ligar e você saber que eu pensei em você e talvez assim te fazer pensar em mim.
    (Estou esperando você dizer “vem me ver/quero te ver” e eu (talvez) atordoado, com um constante sorriso bobo e me entupindo de ansiedade, correr até você. E criar possibilidades, imaginar-fantasiar situações, palavras, conversas, olhares e toques, em mesas de bares ou na calçada ou numa cama ou nos copos de vodka. Estou esperando o seu beijo e sentir na sua língua o seu amor e sua intensidade. Estou esperando.)
    Apenas me deixem nesse meu instante de desejo, É dele que eu quero viver agora.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

para me ler

Tento não ser pessoal, nem me entregar de muito nessas linhas, mas é difícil. É duro inventar uma realidade só para agradar. Agradar aos outros e a mim mesmo. Não sou sensacionalista. É assim que sou: de me entregar muito, de me dar muito, (de ganhar pouco), de ser muito-pouco. Resumindo-me a isso aqui, a esse quarto com cheiro de mofo, a essa claridade cegante, a viver na imaginação dos amores quase-que-impossíveis – leia-se quase-que-inqueríveis – a inventar palavras pro meu dessignificado.
    Respiro na velocidade das palavras.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

fingindo essa contradição

Esse sou eu fingindo não querer esse mundo, fingindo estar bem. Essa é a minha máscara de dar-bom-dia. Esse sou eu fingindo gostar que o tempo passe assim devagar. E ficar comendo os dias em porções pequenas.
    Que tenho planos e os imagino quase todos os dias. Finjo que acredito que tudo isso vai acontecer numa velocidade esperada e necessária. Finjo que deixei de amar certas pessoas, que não me encantei por outras que só vi poucas vezes em meio a milhões de outras e músicas e amigos. E que até imaginei uma transa, uma vida, um amor.
    Bebendo pouco, fingindo esquecer os problemas, mas não quem eu sou. Eu finjo saber que eu sou.
    Esse sou eu fingindo, que mesmo sem te conhecer – porque só sei de teu nome e de teu rosto por fotografias – acho que já gosto, até demais que seria capaz de coisas que até duvidaria em meus momentos de loucura maior.
    Acreditem que tudo isso sou eu, mas não acreditem em tudo que sou. Eu sou uma contradição.

domingo, 10 de outubro de 2010

todos os amores

    Quando eu sofro por amor, sofro de todos os amores: os que eu tive, os que não me amaram, os que não me tiveram e não amei, os que me fizeram chorar, os que me magoaram; sofro pela falta de amor. É toda a minha vida de desilusões e descaminhos que eu sinto passar na veia cortando e ferindo novamente. Como se tudo fosse uma dor só e que apenas se esconde quando a gente tá feliz e blábláblá. É uma coisa de “tristeza não tem fim, felicidade sim”. É um alguém agora me fazendo lembrar de você, que me magoou há dois anos atrás, ou de você que não quis me amar. Eu choro-sofro tudo de novo, quase como se fosse agora. Não me critiquem. Não que eu não viva/tenha felicidades, mas apenas não quero falar delas agora. Preciso extirpar esse restinho de dor dessas ultimas semanas. Amanhã eu falo de sol e alegrias e beijos. Deixa isso pra amanhã.
 
para (principalmente) meus três grandes (ex?) amores.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

aviso

Hoje eu não sou de felicidade. Não é tristeza, é apenas um sentimento-de-não-sei-o-que. Algo imensurável, indigente, invasivo, mutável – desde que saibam me tocar.
Aviso por precaução.
Peço a quem tem medo de se frustrar que não me olhe profundamente. Posso ser corrosivo. Sinto pesar os olhos: o mundo cai sobre minhas costas sem que eu o conheça direito.