segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

nuvem

anuviado silêncio
invólucro de tempestade
 nublado

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

internação

minha pele fria e branca
guarda tanta dor
sussurrada e gritada
ecoando

dentro de minha pele
muito morreu:

foram almas, corpos
crenças, olhos
que ainda sinto vagar
por cada canto
tangendo —
ainda há sofrimento
nesses restos que me ficam
como indigentes
como carcaças.

como carniça
ora fedem
ora lamentam.

dentro de minha pele
há sangue que não é meu
escorrendo e infectando
no chão há uma poça
por dentro é um rio.

quem em mim mora
não sou eu.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

teus segredos estão salvos
sob tua pele
e as palavras recobertas de invento,
–  sublinguais.

só que percorrem teus vasos sanguíneos
e qualquer corte, um dia:
hemorragia.

sábado, 16 de novembro de 2013

segundos

É uma noite sólida, qual esse sentimento de espera. Seus olhos observam o relógio a cada minuto numa esperança ínfima que o tempo passe mais depressa, mal sabendo ele que quando o tempo é o centro das atenções ele se conforta em preguiça.
A mesa está posta: toalhas, velas, pratos, espaguete, vinho já aberto. Ele espera sentado na sala fumando e a taça já pela metade, o relógio em paisagem e a companhia do tempo. Lembra que amanhã cedo tem que comprar rosas, pois as do vaso já estão morrendo. Pétalas caindo pelo chão por qualquer vento que lhes toque. E pensa o quão difícil será conseguir levantar da cama pela manhã quando seu corpo estiver entrelaçado ao corpo do homem que ama. A possibilidade lhe faz sorrir.
Acende outro cigarro e decide ligar a vitrola e quem sabe os minutos se adiantem. No pescoço traz o colar que ganhou no aniversário, mas que trata mais como amuleto. Só de vez em quando ele acredita em sorte e signos. E nas cartas de tarô, onde viu certa vez todo seu destino por míseros dez reais pagos a uma vidente que aportou na cidade durante uma Festa de Reis. Sua vida será tão feliz, exceto por pequenos tropeços e traições. Mas a felicidade que lhe fora reservada é bem maior que qualquer tristeza.
Os minutos seguiam, talvez, um pouco mais rápidos porque a hora marcada já havia passado e o tempo gosta de brincar com as pessoas, principalmente quando ele nota que os sentimentos começam a se confundir como a ansiedade coberta de alegria que passou a se inflamar em decepção.
Só lhe resta os pensamentos tentando seguir o rastro do atraso, fantasiando desculpas, ora simples ora absurdas, que irá escutar quando abrir a porta; se gritará “poderia ter ligado!!” enraivecido ou esconder a decepção com um “eu entendo...” chocho num sorriso largo e barato. Só lhe resta seus pensamentos sólidos.
Por inúmeras vezes houve apenas pensamentos sólidos como companhia – nada transparente, leve ou compressível. A solidez é um peso concreto.
A essas horas a garrafa de vinho já se encontrava vazia e o último cigarro era aceso. Pela janela via-se o nascer do sol tímido por entre os prédios. O chão cheio de pétalas de rosa e um silêncio. Novamente ele ali: só. “Há coisas que nunca mudam”, pensou. Colocou um disco de tango pra rodar e foi dormir.
Porque há certas coisas que são destinadas a ser.

sábado, 26 de outubro de 2013

em preto e branco

há um sorriso na tua morte
bem mais sincero que o último que deste
bem mais branco
que o teu amarelo.
é poesia inaudível e sem rima
diferente das tuas palavras que fedem
que nenhuma cachaça conseguiu perfumar.

sábado, 12 de outubro de 2013

o pior é o julgamento silencioso
que teu pensamento faz.
sou capaz de ver
a distorção
da minha imagem aos teus olhos.

domingo, 29 de setembro de 2013

marítimo

pele verde
pintada de sal e céu
é até mais funda epiderme.

mergulho
surdo
o som é o silêncio da respiração
e no fundo
o barulho
o quebrar da língua de água.

emerjo
coberto por cada gota
um animal estranho
marítimo
inda preso ao chão.

algo me chama
no sentido contrário
– rebentação.

sábado, 28 de setembro de 2013

poética de um cavalo

teu dorso exposto
minhas mãos passeiam sobre
e chegam a nuca
de tua pele negra:
eu cavalgo.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

fim

ao fim te deixei:
um coração ferido,
um amor desbotado,
um vírus incurável.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

sob a noite (noturno)

Toda noite é uma meia-luz. Até você chegar. Sempre alta madrugada e você vem com o sorriso mais feliz, chapada, cheirando a um perfume que não é o seu – que nem é o meu –, batom retocado e os mesmos olhos de flor. Deixa a bolsa no sofá, requenta o café que fiz para o jantar, acende o último cigarro – sempre o último e abre a cortina da cozinha. Hoje a vista é lua cheia cortada pelos edifícios adormecidos. A vitrola, ainda com o disco da Clara que você sempre coloca enquanto se arruma, agora ganha o francês nos tons de Piaf. Sempre o fim de tudo. E sai cantarolando baixinho desfilando entre os móveis em direção a mim.
Eu sempre finjo dormir, mas nunca consigo pregar o olho sabendo que você não está aqui. E é por isso que minhas olheiras que tanto te seduzem são tão evidentes. Você vem se esgueirando por debaixo do cobertor, sussurrando no meu ouvido, leve como se fosse dia., só para me acordar. Disfarço a preocupação e a raiva e abro meus olhos nos teus. Me beija no canto da boca e já começa a despejar suas teorias noturnas e detalhes de tudo onde não houve eu.
Tento me fazer escutar, mas só queira te agarrar pelos braços e te fazer ficar. Porque eu estou. Meu café é sempre forte por tua causa e até tenho o disco daquela banda que você adora, novinho em folha, esperando você ficar e desvirginar ele. Porque a casa é sempre tão vazia e, mesmo agora comigo acarinhando teu braço, você ainda não está aqui nem pela metade.
Chega a hora em que até você se cansa de falar, é quando já não há mais o disco rodando e você começa a se despir. Como nossa primeira vez há dois anos: ainda é uma descoberta do teu corpo. E você sabe se desenhar na meia escuridão que o abajur faz. È quando você é realmente minha. Não apenas pelo físico, por estar dentro de você, mas porque eu sei que agora você se entrega e finalmente diz o meu nome. E no final diz que me ama como nunca outro alguém.
Então você se ausenta em algum instante e eu solto foguetes dentro de mim porque sempre imagino que algo depois de tudo dito ecoou dentro de você. Mas no fim abro os olhos: tua ausência é ainda o cotidiano. Ainda danço sozinho no espaço que criei. Passos desconjuntados, sem ritmo e fortes. É tudo o que eu tenho dentro e fora de mim. Por isso me abstenho de abrir a porta e ir embora: mesmo que eu queira viver sob as estrelas, ainda sou pequeno para ser só sem teu abrigo.
Desligo o abajur e me encolho para caber em qualquer sonho que restou na escuridão.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

fuga

Disseram-lhe que era Pink Floyd que tocava no som do carro. Ela fechou os olhos, a cabeça ali, como que o peso dos pensamentos houvesse sido extirpado. Corria-se a mais de 100 km/h entre faróis e sinais. A noite era longa como um passo sem destino em sentido ao concreto. Corre os ponteiros do carro e dos relógios na velocidade do sangue pelas veias que nas artérias é contramão o sentimento – sangue alcoólico e inflamável: não o deixe corroer que mais difícil é a ferida.
A menina dança em transe dentro de si. Coração a bater. Ela sente frio nesse inverno que respinga, mas tem as mãos aquecidas por outras mãos que, não diria serem alheias, já que quase são extensão de si. E ainda há essa dança, a coisa mais leve que quase flutua, que quase lhe salta e voa, mas permanece no limite da pele e lhe causa esses sorrisos mínimos que parecem vivos e sonhos.
Aonde há espaço na mente, mas não diria realmente que isso exista. Nunca existiu. Há uma cabeça repleta na qual as coisas forçam espaço para se encaixar. Mas agora não pesa.
Fumaça nos olhos e pelos pulmões.
Ela está entregue, com seus dentes amarelos. Um coração acelerado. Se alguém gritar será um assobio. Pela janela há luzes correndo feito vagalumes, de imóvel só o real, o que fica. Hoje é um estado em movimento – dentro e fora. É perceptível o mínimo movimento das articulações mesmo quando não há. Porque não há. É o sentido de algo que fala no corpo e o que ela pensa é mais um pensamento, um próprio delírio. Tudo é dentro. É interno e límpido.
E ela solta a fumaça que tragou como se último suspiro, anuvia a vista e cai no próprio espaço de volta. Ela nunca esteve tão perto.

sábado, 31 de agosto de 2013

noite nº 12

primeiro são as mãos
percorrendo o todo
e vem a língua desbravando
o gosto e o íntimo
cada centímetro concreto
cada gota
a saliva pela carne
a garganta é o caminho
- minha boca é o primeiro orifício.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

noite nº 11

enquanto você dorme
te cubro com meus olhos
cada pelo e detalhe
tatuagens
tua bunda
tua nuca
os sinais e as cicatrizes.
tudo que
em instantes de antes
ocupavam o mesmo espaço
que meu corpo
e dentro.
para Miguel

domingo, 11 de agosto de 2013

noite nº 10

teu revólver dispara
contra mim
em direção à minha cara
ao meu coração
tão exposto,
arrítmico
à espera de.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

noite nº 9

tiro a pétala,
a roupa
a vergonha
a solidão
e abro espaço
para você entrar
quente
secretamente
e me ocupar
como posse tua
como homem meu
e ao final
derramar-se na minha pele
novamente: quente.
para Miguel

quarta-feira, 31 de julho de 2013

noite nº 8

no escuro das horas
o instante que você adentra
minha cabeça emerge
meu corpo se desprende
feito teu suor
e pinga
e inunda o espaço
que não há
entre tua carne e a minha
quando eu
sou devorado.
para Miguel

domingo, 28 de julho de 2013

noite nº 7

no teu peito
eu esqueço
tudo e tempo
- os segundos e as horas
que os ponteiros não contam -

me tatuo em tua pele
trago o teu cheiro
me desenho em tua cor
e nos pelos.

e nos olhos se resume o mundo:
nós!
para Miguel

quarta-feira, 17 de julho de 2013

noite nº 6

não quero que teu cheiro se esvaia
de mim
e dos lençóis.

não quero outro perfume
que não seja o teu suor.
sobre minha pele:
tu.
para Miguel

domingo, 7 de julho de 2013

noite nº 5

eu me perco
nos teus olhos sobre mim:
frágil e nu
e entregue.

eu me entrego
aos teus olhos sobre mim:
famintos,
álcool e paisagem.
para Miguel

sexta-feira, 5 de julho de 2013

noite nº 4

nem eu nem você somos
nesse fim
em que a hora se faz morta
e os vultos,
as linhas tortas,
as paredes fechadas.
silêncio é o som
dos meus olhos.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

noite nº 3

meu coração aberto
e minhas pernas:
- ouço a invasão!
tomam posse
de cada canto e recanto,
dos músculos aos ossos
e até do que não é próprio
mas ainda sou.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

noite nº 2

pela manhã
não te reconheço,
nem os cheiros,
nem a pele.

no acaso da sorte
lembro de mim
no agora
e no depois.

terça-feira, 2 de julho de 2013

noite nº 1

quando você me mela
da boca ao peito
a língua fervente
e os dentes
e a pele exausta.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

caraminhola

Caraminholas
são como lombrigas
dentro da cabeça
     - emborcam pensamentos,
     fazem até trapézio.

terça-feira, 14 de maio de 2013

poesia de resto

O que passeia beija-flor
em cinzas deixadas por fogo
se seu caminho é por outro?

O que lhe atraiu
no cheiro da morte,
no cheiro do resto,
no pó da fumaça?

O que fez beija-flor
trocar a própria flor
pelas cinzas?
- ruínas –

Será o mundo em vírgula
- ou os olhos em rima?

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Tentei escrever sobre essa junção de mim e esse tempo que, vez ou outra, caí e me cobre, uma coisa meio nublada em certas janelas. É praticamente impossível escrever: esse é o ponto! Fazem-se amarras nas mãos e pensamentos que me incomodam imensamente. De onde muita gente tiraria ouro e diamantes, eu fico num estado bruto não lapidável, recorrendo aos mesmos pontos, as mesmas ideias e linhas que não chegam a canto algum.
Meu barco só navega em bom tempo e se faz preciso, nesses templos anuviados, a espera, recolher as velas e os remos e acalmar.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

o crime da mulher

Ecoou o tiro pela casa. A cidade em festa de padroeira cobria-se em fogos de artifício naquele instante. Ninguém além dela pode ouvir o barulho da arma disparando, e do grito que ela mesma deu assustada. Sua mão trêmula tapava a própria boca numa tentativa de silenciar o grito forte. A arma descarregada caiu no chão. Felipe, sobre a cama, ainda gemia enquanto seu sangue vermelho-encardido melava o lençol branco de algodão. Ela aproximou-se hesitante da cama e os olhos dele quase fechados a encaravam.
- Eu não te amo, mais – disse ela: pálida.
Os sinos da igreja badalavam anunciando a missa. Ela lavou as mãos e o rosto na tentativa de tirar a morte de sua pele, como se quisesse rasgar-se e em carne-viva não ser mais a mesma. Encarou-se no espelho talvez nem se reconhecendo. Do guarda-roupa retirou tudo que parecia mais importante: algumas roupas, uns livros de Florbela, um perfume, um pouco dinheiro que tinha, os cigarros que restavam. Tudo jogado dentro de uma mala azul quase rasgada.
Seus olhos aflitos caíram sobre o corpo do homem, agora, sem vida. O corpo sobre a cama dos dois.
Saiu.
Naquela noite as ruas nem pareciam as mesmas: cheias de gente à caminho da igreja com suas velas acesas dentro de garrafas de plástico. E toda a festa na praça em frente à igreja e as barracas de comidas e o parque de diversão. O barulho de fogos, de crianças felizes, de conversas felizes, do forró que saía do alto-falante.
>Ela, ainda atordoada, caminhava em passos largos entre as pessoas. O vento da noite lambia sua pele exposta pelo vestido curto cor-de-café. Chegou à rua principal e toda ela estava iluminada, com lâmpadas amarradas penduradas como bandeirinhas de São João, e as imagens de papelão da padroeira no alto dos postes. De vez em quando ainda se via fogos de artifício iluminando o céu pouco estrelado – podia-se até contar as estrelas.
Seu olhar perdido procurava por toda a rua uma saída. E ela só queria fugir. Deixar o feito, o sentido, o acabado, deixar para trás tudo naquela cidade. Como se pudesse esquecer. Como seu coração estava acelerado e dolorido.
E então, em um céu enegrecido, seus olhos acharam aquela gigante roda gigante iluminada para atingir as nuvens. Tantos vermelhos e amarelos e azuis em sincronia, em pisca-pisca, em claridade. No céu. O céu que parecia ser saída – única saída.
Seus pés em passos acelerados foram. Ela empurrava em desespero as pessoas que cruzavam seu caminho – reto percurso. Aos pés da roda gigante, seus olhos ergueram-se até o topo: o céu – parecia tão infinito. A mala foi deixada aberta para trás.
A roda gigante começou a girar. Ela subiu. Suas mãos em força agarravam a trava de segurança, não em medo, mas por – apenas – intensidade. Enquanto subia, ela sorria como se estivesse livre do mundo, como se nada mais pudesse lhe impedir. A cidade pequena parecia ainda menor lá de cima. As luzes, as casas. Quanto mais próximo do topo ela chegava mais a cidade parecia longe. Mas o céu, o céu não parecia mais perto. As poucas estrelas ainda brilhavam lá distantes: inalcançáveis.
Quando a roda gigante parou, ela estava bem no alto. Bem mais alto. Apoiou-se e ficou em pé no banco que balanceava. Desesperadamente ela queria o céu. Por que ele era em escuridão como o que era agora. Aquela culpa que lhe remoia do não-amor que se findou no corpo inerte e sem vida sobre a cama. Queria fugir daquela morte impregnada na pele. Qual sangue lhe manchou.
Soltou uma das mãos. A outra se soltou por si.
E seu corpo caiu ao chão. Um tiro ecoou em sua mente. E a cidade silenciou.

*conto selecionado para a antologia "ANE 50 Anos - Contos"

quinta-feira, 4 de abril de 2013

ato

Viver é um estado.
Morrer é um ato
que ao contrário,
no reverso-tempo,
é o instante de parir.

terça-feira, 5 de março de 2013

retirante

andei
entre sol e poeira
nos teus lábios secos
de chuva.

sábado, 2 de março de 2013

incelença de joão (e de ninguém)

Abre as portas
que mais um vai subir.
Tirou os pés do chão.
A alma se despiu.
Vai subir
pelas nuvens.
E o corpo:
– pela terra.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

ladainha de sol

Há quanto tempo, meu senhor, não chove aqui.
Inda mais tempo que não relampeia.
E pouco tempo que perdi as esperanças
de ver um céu acinzentado.


Mais da metade por aqui esqueceu a reza.
O terço abandonado na cabeceira.
O olhar tão rachado quanto o chão.
O sol quente de sertão.
A vista que anuveia.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

se dá um passo...

Algo se perde porque sai de mim. Seu eu vejo uma escuridão, alguém vê um escuro, uma sombra, um eclipse. Mas ninguém vê a escuridão que sinto. Ninguém verá a mesma farpa e agonia que dou aquela mulher, ou a tristeza que decorre nas linhas ou a música que toca ao fundo.
O que eu digo não é o que alguém escuta ou lê. O que eu digo acaba na minha boca como restos entre meus dentes. Eu sou. E eu sou o que os outros veem.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

prece

Pro pescador:
bom tempo
lá no alto mar.
Para o mar:
Caymmi e Iemanjá.
Para a ciranda:
Lia de Itamaracá
na beira-mar.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

ciranda pra lia

Eu quis fazer uma ciranda
encantada e azul
para dar à Lia
 morena cirandeira –
pra ela cantar
como a renda
a uma rendeira.

Minha ciranda
só existe
se Lia cantar.

Minha ciranda
só é ciranda
se o mar abençoar.

Lia, vem ver
minha ciranda rodar
com cheiro de laranjeira
e os pés molhados das águas do mar.

sábado, 19 de janeiro de 2013

dona maria sem terra

Nas andanças dos dedos, e dos olhos (e das linhas que os arrodeiam), há o peso de todo chão pisado. A pele ressecada pelo sol, de cor queimada de sol, transparece todo o muito tempo em espera do próprio tempo que não chega. Seus olhos fixos na janela aberta que da à vista a estrada-sem-fim de terra batida, que nem os olhos de quem perdeu ao mar e espera que as águas salgadas tragam de volta. Confunde-se com esperança, mas logo se acostuma à dor. Das mãos que às vezes não sabem o que fazer ou dos dentes que não sabem mais sorrir.
A vida às vezes também não sabe o que quer. Há uma flor já despetalada e ressecada no vaso. Resquícios de outono ou outubro. Já nem se lembra mais. Nem que flor era, nem que tempo é. Nem a própria flor sabe de si, porque houve um abandono de tudo, até do sentimento mais absurdo e essencial.
Não há um chão que conte de seu. Desde pequena, recém-parida, porque veio no sangue, que deu o nome – nome-próprio – de batismo e de destino. Não é questão de dinheiro, é coisa de corpo, de não ser, de sina. Por mais alto que seja, nunca haverá nuvens aos olhos. Por mais morta que esteja, não haverá cova que seja sua. Que nem a terra grudada nas suas unhas lhe pertence.
E todo chão que pisa é invasão. Seu único ter é o próprio corpo: latifúndio. E os sonhos – que os olhos fechados lhe permitem viver.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

efervescer

Pierre Verger  - Recife (1948)
Quem muito ferve
se evapora.

Eu,
quando fervo:
frevo!

domingo, 6 de janeiro de 2013

cana

Um quartinho pra passar a dor
e umedecer as feridas
no fígado e no peito.