terça-feira, 28 de agosto de 2012

lis pector

Entre a mulher e a flor não há pétala decaída. Não há espaço. Sobre o móvel indecifrável, sob os olhos inquestionáveis, a mesma cor abandonada. O som em tempo-silêncio. A curva imperceptível do vestido que pesa – e não há leveza que se revele. Ela pesa. Mesmo com o rosa das pétalas, mesmo na delicadeza da haste, mesmo que o segundo se acabe.
Há o cheiro de lágrima sobre o perfume da flor. A flor que parece reflexo do físico e do íntimo dessa mulher. Há o coração desbotado. As paredes em contraste. E as mãos perdidas.
Uma vida inteira em poema – em soneto – declamado à beira do olhar. O instante que sai no respirar. Nela. Na pele dissonante que recobre todo o estar e ser impróprio e inacabado. Em um peito bate a cidade silenciada. Em um peito a flor perdida.

sobre ilustração de Gu

sábado, 18 de agosto de 2012

a história única de todo o amor

Quando você volta para mim, eu ligo o rádio de manhã bem cedo para deixar a casa perfumada. Mesmo que Waldick chore suas mágoas, o cheiro é tão feliz quanto o das rosas que roubei naquele jardim da rua de trás. E pelas janelas parece o mundo a adentrar. Já sinto teu cheiro nas curvas do meu corpo.
Vou tirando a poeira ajuntada nas quinas, no tapete da sala, nos nossos retratos dependurados que roubam (tantas vezes) a atenção dos meus olhos esguios. Preparo a casa para a tua chegada, e meu corpo para teu amor – que o coração parece ter nascido pronto. E espero defronte ao relógio. Com um café amargo, com uns poucos cigarros e qualquer coisa a mais por viver.
Daí que você chega e meu sorriso se faz vivo. Te espero ansioso encolhido na poltrona azul, de regata e cueca, mesmo nesse frio. Você se despe do que desimporta e me aperta entre teus braços e boca. Te dou um sabor de amor guardado e tu me dás o sabor do mundo que és.
E não me importa que estejas marcado por outras bocas, que na tua pele eu sinta o gosto de outros homens, porque no instante de agora é sobre meu corpo – e dentre mim – que tu se deita e se conforta. É o próprio gosto de tua pele. E minha carne pede para estar entre teus dentes.

para Felipe

terça-feira, 7 de agosto de 2012

de um homem que nasce

Meu corpo nu na tua boca crua. Tu me comes com as mãos e os dentes, que os olhos já se saciaram. Meu corpo marcado de tua fome – devoras! Não sou homem de meio amor, de meio-dia, de pouca coisa. Meu corpo não é metade. Meus pelos, meus músculos, meu minúsculo amor não cabem entre teus dedos.
Mas me rasgue (e sangre)!
Que dilacerado eu sou mais fácil de comer.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

assopro

O vento que assopra no quintal
e faz assovio entrando nos ouvidos
e na pele o arrepio
e na barriga, borboletas
na mente faz vazio
calafrios.
Tu cheirando meu cangote.