quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

indo

A indecisão de se olhar ou não no espelho e ser refletido invisível e incorrigível, por que talvez seja um caminho sem volta: ver o que se é: é insustentável. Uma coisa íntima. 
    Ser íntimo é um estado. Um estado doloroso (aviso!), ao menos quando se começa porque há uma obscuridade nas veias e artérias que começam a ser preenchidas de si mesmas (de si mesmo). Como quando se nasce e respira-se e a dor é tanta que se acaba chorando. E choro aqui também, escondido, nos travesseiros e camas e entre as paredes da casa. É doloroso até quem sabe onde. Não sei se ser íntimo é recompensável, se vale a pena, se ao final serei mais pleno e inteiro e sustentável de sentimentos e equilibrável. Mas sei que é por onde estou pisando, mesmo que nunca mais volte a ser desconhecido de mim.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

faça algo comigo

Faça algo que me entorpeça, que me faça cair em si, em mim, em tu que desconheço, seja monstro de si mesmo ou coisa mágica.
    Faço-me inquieto, urgente.
   Faça algo simples: de beijo, de abraço, de afago, de amor-amado, de sorriso, que nessas ruas de terra batida eu me perco.
    Faça o favor de me ver inteiro e completo e íntimo, mesmo que eu me falte pedaços. Pois eu tenho coração pulsante, selvagem, árduo. Ardo à espera urgente pelas possibilidades do mundo inteiro. Eu criei essa urgência: de meu corpo humano acordado e seco.
    Há um desejo imposto. Há um suor salgado escorrendo pelas costas nuas. Qual coisa fria. Não fria de falta de sentimentos, mas de excesso.
    Faça algo que releve o tempo, que revele a cadência de se estar.
  Faço-me voar sobre os desejos sobre as camas acesas de amor insuficiente. Que debaixo do travesseiro guardam-se as mágoas na esperança de acordar e elas inexistirem.
    Faça-me tudo, ou faça-me algo – simplesmente.
para Maurício e seu mundo particular.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

adentre

Pierre Verger - carnaval de 1950
Entre as pedras de mar obscuro e confuso de meu pensamento, eu passeio quase sempre esbarrando nas paredes, machucando, mas querendo chegar, onde. Depósitos de concreto nas veias cavas: vômitos de minha não-lucidez. Foi quando te disse coisas herméticas, por favor, não as crie. Afogue-as como faço às vezes comigo mesmo, como aqui.
    Não se segure em meus braços, disse-me eu.
    Sou eu nau que afunda coberto de sol, perdido em coisa. Sou perdido do mundo, sou estrangeiro daqui, pertencente apenas a mim. É o que sei e o que não quero saber.
    Apague-me a memória para que eu apenas lembre os sorrisos, por favor, não quero lembrar do reboco caindo e de quando eu morri. Apague-me de mim que sou terrível e não me quero. Ou talvez me queira, então não leve em consideração.
    Se gasta tempo para se sustentar. Equilibrando-se no chão descalço, que há medo de cair e de sangrar. Pior, se infectar desse sangue ralo, profundamente vazio de coisa própria.
    Entender minha carne fraca, minhas máscara de felicidade, minha cama vazia. Olha que horas são e eu não me entendo (mas o pior foi ouvir que não me entendes). Olha que horas são essas de se dançar. Não são horas de se dançar. Eu paro de fechar os olhos.
    Minha casa suja de lama. Logo agora que estou mais íntimo, mais meu.

domingo, 19 de dezembro de 2010

a escuridão

Naquela noite o bairro da Boa Vista ficou sem energia. Um apagão repentino. Edith tinha medo do escuro. Tinha medo não do escuro em si, mas do que ele pode trazer de si mesma. Já bastava o escuro das suas imperfeições. Já bastavam suas indecisões. Procurou desesperadamente as velas no balcão da cozinha, mas apenas achou o resto de uma e a acendeu rápido. Era meia luz. E isso não trazia muita segurança. Taquicárdica, ela ligou para ele para que viesse até a sua casa lhe fazer companhia. Mas ele não atendeu. Como, se sempre que ela precisava dele, ele estava ali: pronto, atento, amado? Como pode sumir? Ela chorou, enquanto o resto da vela se apagava. A escuridão era íntima e real. Onde estaria ele e seus olhos de amor?

sábado, 18 de dezembro de 2010

inteira mar

Quando Cecília mergulhou no mar, as ondas estavam mais puras. Soltas, as estrelas quebravam a escuridão intacta. Seu sangue inerte e fraco de possibilidades e amarelo de sol a questionava da sua sina de mulher.
    Cousa de ser apática com gente, seus olhos azuis fugiam de outros olhos de mesma cor certeira. De jeito certeiro também era seu sorriso de quem cresce sonhado.
    Quando Cecília sorriu pro mar, ela sonhava intempestivamente. Cecília amarga de desilusão, mergulhou como se o mar a chamasse para uma dança eterna. As águas apenas tocadas pela lua que quebrava. A lua apenas observava, voyeur desse sexo íntimo, inerente.
    O prazer de Cecília era doce sujo de carmim. Como pecado proibido intimamente, de vísceras infectadas e em começo de putrefação. Cecília que não era Clarice, que não era Carolina, que não era Maria, que às vezes não era nem Cecília: morria. Morria como quem respira. Morria como se morrem tantos outros. Mas, diferente: sabia que morria.
    Quando Cecília estava sob o mar, o sal temperou sentimentos restantes. E como sua pele brilhava. Parecia ter na pele todo um céu tatuado.
    Quando Cecília entrou no mar, o vento eriçou-lhe todos os pelos, como só um homem ao cantar Chico Buarque ao pé de seu ouvido na cama encharcada de suor havia feito.
    Quando Cecília boiou no mar – seus pulmões cheios de água e sal – seus olhos fixos na lua feita só para ela. Um sorriso seco, ondas cansadas. Cecília era inteira mar.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

sobre minhas linhas

Porque as palavras respiram com dificuldade e ânsia de ar puro. E criam-se quebradas e insípidas. Parecem graves e custam vidas, custam minhas vidas, custam o que tenho: custam o que tenho de doce e puro.
    E há a peleja entre o físico e o espiritual, desse sangue vivo com as palavras multiencardidas, quase inertes, curtas, quase inúteis.
    Quase inúteis para esse mundo externo que na há tempo. Como sou inútil nesse mundo, como sou inútil nessas palavras. Para que sirvo eu, nessas palavras? Mas elas me usam como descanso. E mesmo assim eu não sirvo.
    Entre essas paredes mofadas, elas sucumbem na esperança de voar, porque há tiros que as acertam e dizem: não há esperança para viver.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

o príncipe e o amado


E correndo montado em um cavalo completamente negro, cortava os carros estacionados na rua recém pavimenta. Ainda era dia, o calor se fazia. O príncipe montava como um cavaleiro pela rua que acabava em um campo, e no fim do campo: o castelo de seu amado.
    O que não era mais bonito que o céu pintado pelo arco-íris leve, quase que invisível. O campo tinha flores roxas e amarelas, e vermelhas. Mas a roupa do príncipe, que roupa, a roupa não importava. Pouco importava. Seu all star era vermelho.
    Na verdade o príncipe cruzou estados e meses pra chegar ali. Ele veio atrás de seu amado que há muito tempo não via.
    As laranjeiras já eram em flor nessa época.
    Qual vento forte.
   O castelo com seus tijolos aparentes, crianças brincavam na frente. O príncipe bateu na porta e gritou por seu amado. Gritou seu nome e o vento tratou de levar o grito até o alto da torre onde ele estava. O amado o olhou pela janela do alto da torre, um olhar de por que. E o príncipe estampava um sorriso bobo.
    O amado desceu a torre e à porta disse: “Vá embora, por que eu, eu amo quem não é você.” E fechou a porta, frio. O príncipe olhou a porta por um infinito minuto, achava que era tudo uma brincadeira e que a porta se abriria daqui a um instante inesperado. E a porta de madeira cheia de cupins. E os passos do amado subindo a escadaria da torre.
    O príncipe sentou-se no degrau da porta do castelo. Enquanto a noite chegava e a lua era cheia. Ele estava cansado. E no brilho de uma estrela cadente montou seu cavalo e seguiu sem rumo (pois o rumo que tinha, o único rumo que tinha era o do coração de seu amado).
    O príncipe chora a cada lua cheia e come apenas pétalas de laranjeira. Talvez hoje ele seja apenas um espírito, talvez ele caiba no coração de alguém.
    Mas seus olhos são tão bonitos.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

serendipite

por Francisco Barreto (15/09/09)
Quando você descobre coisas, talvez inimagináveis, apenas por um acaso, como na procura por sua carteira, acha debaixo da cama um anel perdido há tempos, ou olhando documentos encontra fotografias que nem sabia que ainda existiam e que te trazem recordações doces.
   Ou olhando as nuvens para saber se irá chover ou não e vê uma pipa multicolorida passeando pelo céu.
É encontrar algo que não se procura.
    Há séculos atrás havia um reino chamado Serendip, governado por um rei que tinham três filhos. O rei decidiu testar a sabedoria de seus filhos e disse-lhes que iria se retirar do trono, deixando-os governando o reino. Os príncipes recusaram o trono afirmando que o pai era o mais sábio e que ele iria governar melhor o reino que qualquer outra pessoa.
   O rei sentiu-se inteiramente feliz pela decisão dos filhos, mas ainda tinha dúvidas. Achava que a recusa foi por mera educação e não por sabedoria: assim enviou os príncipes em uma viagem a reinos distantes. Os príncipes, cruzando terras desconhecidas, fizeram várias descobertas – por acidente (ou acaso) ou por sabedoria – descobertas felizes.
   Em 1754, ao descobrir uma pintura da condessa de Toscana, Horace Walpole escreveu para seu amigo, Horace Mann, relatando o que achou. Na carta explicava que leu o conto “Os três príncipes de Serendip” e baseado nele, chamou a descoberta de serendipite, pois não havia melhor definição para ela: não havia palavra mais expressiva.
   Serendipite é encontrar um vendedor de algodão doce quando você passeia pelas ruas sem destino num dia amargo; quando à espera do ônibus encontra um desconhecido que irá ser a melhor pessoa da sua vida; quando no meio da cidade cinza você encontra flores quebrando o silêncio das cores.
    São pequenas coisas, pequenas descobertas felizes. É o acaso colocando algo que não é esperado no seu caminho. É encontrar coisas (pessoas) essenciais, mágicas, infinitas, doces: simples.

para Roberto e Otávio (serendipites)

sábado, 4 de dezembro de 2010

bem mais

Porque esse sexo não se resume ao orgasmo, do prazer final solitário. Porque esse sexo é de bocas, saliva, lambidas, toques, olhares, suspiros, pausas, hesitações, risadas, mordidas. Porque esse sexo que só eu sei fazer. Por que esse sexo que só eu sei amar. Que talvez só eu sei me amar. Que talvez eu não esteja mais falando apenas de sexo. Que talvez eu devesse me calar. Porque eu estou sentimental.