terça-feira, 30 de novembro de 2010

em carne crua

Talvez eu nunca soube como lidar com o amor: o que vem e o que sai. Eu nunca soube manejar o que me dão em sentimentos e me queimo cruelmente. Tenho minhas mãos em carne viva para quem precisar de provas. E dói tanto que deixo cair todo esse sentimento que se espatifa e se derrete pelo chão árido, entre as rachaduras. E depois de tudo feito, tudo quebrado e derretido eu me ajoelho e me desespero na tentativa vã de recolher do chão tudo aquilo que me deram. A terra gruda na minha carne crua.
    Mas há quem faça questão de me afagar as mãos, para me aliviar a dor. Eu digo que não quero ser tão humano assim, mas minha carne crua entrega minha alma fraca de ser a si mesma.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Na boca pendurado...


Há beijos que ainda não te roubei
e me fazem falta,
nunca supridos
pelos muitos tidos.
Entristecem-me mais
que os não sabidos e,
por não saber, não perseguidos.
Alguns assim ficaram
meio pendurados,
na boca ainda, aguardando
hora e vez, sem aceitar
...
De juras secretas
não há lembrança.
Por vezes demoraram
noutras se disfarçaram
em palavras de cordel.
Mas sempre viraram flor.

O que não se fez,
fez-se ao contrário
e, de alguma forma,
então, aconteceu.

E a nossa doida fantasia
não é apenas imaginação,
nem é menos realidade.
Ao contrário, frequentemente,
...
Ela é bem mais verdade...

p.s. para o meu Príncipe do conto "Era uma vez..."
p.p.s. Uma invasão do Beto só pra dizer "Felíz Aniversário"!

Um beijo com gosto de café...

terça-feira, 23 de novembro de 2010

três mais

Ovos mexidos na mesa. Café forte na mesa. Pratos sujos na pia. Travesseiro babado. Sonhos perdidos na cama. Mutantes na vitrola. Livros no chão – espalhados derramando poesias intempestivas. Fotografias velhas no mural. Contas não pagas na estante. Sala sem TV. Sala sem sofá. Janela com cortina aberta ao balanço do vento quase frio. Cacos de vidro espalhados pelo chão.
    Roupas suas e alheias jogadas. Sujas de bebida, fedidas de cigarro. Um corpo na cama, um corpo sobre o corpo. Uma língua percorrendo um pé. Uma mão percorrendo uma coxa. Uma língua ascendendo o corpo, e os dentes mordendo a bunda. Duas bocas se tocando, duas línguas se entrelaçando, uma mão masturbando, uma mão sobre a nuca. Uma boca em um pau, uma mão em um pau, uma boca num pescoço. Uns gemidos soltos. O excesso de desejo.
    Uma boca em dois paus, uma mão em uma bunda, outra mão em um peito, outra mão em uma bunda, dentes no mamilo, uma boca com suspiros.
    Um corpo em baixo, um corpo em cima, um corpo de lado, uma boca no pau, outro pau na vagina, mãos no peito, suor escorrendo pelas costas, amor batendo no coração, desejo inerente na pele.
    E os dentes cravados nos lábios, e as unhas cravadas nas costas e o momento cravando os olhos.
    Um corpo de lado, um corpo na frente, um corpo atrás, um pau na vagina, um pau na bunda, três bocas se beijando, se mordendo. Mãos viajantes, fortes, leves. Intempestivo.
    Gato com fome na cozinha. Café frio na mesa. Sol de meio dia. Dia de meio amor.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

autolove

Hoje as paredes me sufocaram. Tudo me apertou a garganta como de surpresa e faltou-me ar. E eu inventei uma razão para isso: a falta de amor. Falta de um amor físico, que tenha toque e pele. Que me mostre o frio e o calor do sangue.
    Acontece que falta alguém que queira esse coração pouco. Acontece que eu já cansei meus pés de esperar ali na esquina da padaria você passar distraído. Não aconteceu de você.
    Hoje... hoje eu joguei cartas, papéis, bilhetes. Coisas que trazia na carteira, perto de mim: uma velha aliança, umas declarações de amor, e pus tudo numa caixinha preta com bolinhas brancas. Outras eu apenas amassei e joguei no lixo, como se não falassem de sentimentos (talvez) inexistentes agora.
    Hoje eu simplesmente dormirei. E ao acordar serei de uma nova guia: autolove.
    (Que a gente às vezes se esquece de se amar um pouco e se perde pelo desejo de amor de alguéns. Não só pelo amor, às vezes pelo bem-querer, ou só por um pouco de atenção. Que a gente espera que se sinta saudade do nosso papo bom, e que diga que há saudade e que há vontade e que se chame para se conversar, para se olhar, para se rir. Por que às vezes a gente se joga no espaço de outros esperando que no mínimo haja consideração ou retribuição.)
    Hoje, eu precisei de um abraço – e utilizei de meus próprios braços para saciar a sede.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

compartilho

Compartilho meus sorrisos, meus pesares, minha carne, minha ânsia, e os sorvetes tomados quase que nunca, e a cachaça bebida e o cigarro tragado diariamente. Compartilho as músicas escutadas e os filmes e os discos que comprei recentemente e a felicidade de ver pessoas, e o desejo de ter pessoas perto, dentro ou mais perto. Compartilho meu coração e a minha cama, e as paredes do meu infinito. Compartilho os ruídos e os poemas. E quando há dor, eu tento compartilhar, como quando há medo. Eu me compartilho intensamente com quem me faz sorrir e amar, com quem me faz voar.
para Lua, e sua risada contagiante e gostosa.

domingo, 14 de novembro de 2010

dom quixote de la mancha

Peço-lhes, pois, que diga por qual das maluquices que em mim viu me condena e me manda de volta à casa para tomar conta de minha mulher e meus filhos, sem saber se os tenho? Tem alguém o direito de entrar na casa alheia e dar ordem aos seus donos? Pode qualquer um intrometer-se nas leis da cavalaria e julgar os cavaleiros andantes? Será porventura, perder tempo vagar pelo mundo, não para divertir-se, mas para experimentar-lhe as asperezas e assim conquistar a imortalidade? Pouco se me dá que me tenham por louco aqueles que nada sabem da cavalaria, pois cavaleiro sou e cavaleiro hei de morrer.
Miguel de Cervantes
1605

terça-feira, 9 de novembro de 2010

vômito

Ela tinha ânsia. Algo preso na garganta.
    Chegou em casa as três da madrugada depois de um litro de vodka no mesmo bar dos outros dias da semana. Procurou o que comer rapidamente, mas não tinha nada. Gastou todo o dinheiro durante a semana bebendo todos os dias. Sobraram os cigarros. Ela fumou.
    No quintal as nuvens cobriam a lua, e a mangueira resmungava com o barulho do vento. Fazia frio: frio-de-se-aconchegar. Ela se cobriu com o lençol velho dos dois. E tinha um cheiro de mistura de naftalina e sono. Sono que ele havia deixado.
    Tinha saudades.
    Ele havia deixado o all star verde e o reboco da parede que era feito todo fim de ano, junto com a pintura da casa. Era uma briga na escolha das cores: ela sempre quis verde e ele branco. Acabavam pintando de azul. Sempre.
    Ela tomou um antiemético e um relaxante. Com suco de pitanga que comprava simplesmente para irritá-lo.
    A verdade é que a casa todo fazia com que ela o lembrasse.
    E ela deitou na cama, cobriu-se e chamou o sono. Fechou os olhos para aquele teto desbotado. Ouviam-se os sons de bloco de rua, pois era carnaval. E a escuridão dos olhos fechados trouxe-lhe a boca tudo que estava preso na garganta. Ela rapidamente jogou a cabeça pra fora da cama: ela vomitou lágrimas.

domingo, 7 de novembro de 2010

meu delicado

 Sabe meu medo?
    Meu medo é de me perder no enorme mundo das pessoas. No seu enorme mundo. Entrar e me sentir perdido e esquecido e inútil. Entrar e me tornar igual ao outros tantos que habitam seu mundo. Igual aos tantos que olham e te sorriem. É me tornar um classificável qualquer, um visitante qualquer, um qualquer: qualquer.
    Sabe meu medo? É não conseguir te trazer para meu asteróide B-612. Onde tudo cabe na palma da mão, no coração, no bolso ou onde você queira guardar. É não conseguir fazer com que entendas meu sorriso bobo e meus olhos apertados de felicidade que falam mais que minha boca.
    Que a minha felicidade é plena e delicada.
    Porque aqui ninguém nunca viveu realmente. Ainda não sei se é habitável para outros pulmões e corações. Todos estão de passagem, ninguém teve coragem de ficar.
    Eu tenho um medo bobo parecido com suspiro.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

ainda é primavera

Novembro. Ainda é primavera.
É o calor sobrepondo o frio do inverno, anunciando o verão. Dizem que há mais flores. Aprendi que havia mais flores. Era o que ensinavam lá na escola, nas fotos dos livros onde as árvores se faziam multifloridas, onde o verão era a praia, o outono tinha folhas no chão e o inverno tinha chuva e neve.
Ainda é o “primeiro verão”. Nunca ganhei uma flor.
Não quero buquês, caminhões, jardins e exageros. Uma flor apenas seria suficiente e exato. Para esse quarto abafado, para essa vida abafada.
Ainda é primavera, e eu nunca fui amado na primavera. Mas que novembro seja feliz e mágico.