quarta-feira, 31 de outubro de 2012

frevo de nara

De lá do alto da ladeira vem descendo o colorido anunciado em estandarte. São amarelos e confetes e serpentinas que pintam o céu e plumas e azuis. Vem descendo as fantasias cheias de alegrias e aquelas tristezas indissolúveis de carnaval. Para cada sorriso, um dente é desilusão.
Descem as mulheres com seus vestidos bordados, em lantejoulas e paetês. As mãos espalmadas ao vento e nas sapatilhas que recobrem os pés deslizam em lirismo.
Entre todas, está Nara. Seguindo e rodopiando pelo frevo e o asfalto. Nara, tão branca e de cabelos tão negros quanto o céu dessa noite, às vezes se perde entre a melodia que entra e que sai ou no girar daqui que dá em passo pra lá. Em seu peito há um coração tatuado. Contração sincopada.
Os postes iluminam de quase-nada as ruas emaranhadas que agora se recobrem de paralelepípedos. Entre os meios-fios: o bloco e Nara de sorriso breve. Só avista os coloridos das casas enfileiradas, entre os olhos que observam, e seus pensamentos flutuantes de lembrança. Houve um beijo roubado naquele baile da Rua São Domingos. Ela numa máscara veneziana e ele brincando de papangu. Sua mão leve.
Agora, o bloco segue sozinho em meia-luz dobrando a esquina. Agora, Nara segue em nuvem. Ela chora enquanto canta o frevo entoado pela orquestra de pau-e-corda. Há um frevo de saudade.

domingo, 14 de outubro de 2012

oco

Como Clarice em muitos instantes, estou morto nestes instantes. Um processo de morte ou a parte de mortes. Morri sem nem sentir, declinando pelas linhas, até que me apercebo inerte. Parado em vazio pra qualquer canto que olhe ou toque. Morri não sei de quê nem sei de quando, mas ainda há suspiros como este que insistem. É como se adormecesse e em sonhos eu respirasse completamente e – inteiro vivo – de mim nascessem tudo que me continua. Enquanto permaneço sem pulsação.
Não morri da vida, mas, sim, do me dizer (ou só do dizer qualquer). E não há tristezas nessas coisas aqui. É tudo um pensamento surgido entre o vão. Uma luz para clarear meu rosto ou só para ocupar a mão.