terça-feira, 26 de julho de 2011

segredos de coração (histórias poucas) nº4

Como a tarde estava agradável naquele dia. Não havia sinais de nuvens em muitos quilômetros. As pessoas pareciam sorrir mais. Tudo parecia mais vivo. Camila tomava um café no bar de sempre. Esperava encontrar alguns amigos. Conversar. Sabe-se lá. Sua felicidade era a de sempre. Como ela mesma também era a de sempre: a mesma. Apenas o café não era o de sempre. Nunca bebia café, mas havia prometido parar de beber vodka. Então... então.
Observava atentamente a todos que entravam e saíam. Um menino entrou e ofereceu-lhe uma rosa. Era de um admirador secreto, disse ele. Ela se sentiu feliz.
- Quem é ele?
Mas o menino fingiu que não ouviu e saiu para vender nas outras mesas as rosas que ainda lhe restavam.
Quem era que lhe admirava? Quem, se ninguém nunca havia lhe admirado. Seus olhos rodavam a procurar pelo bar alguém que a estivesse observando. Por essas horas não havia muita gente ali. Mas ninguém a olhava.
Passou alguns minutos procurando. Seu café esfriava e a rosa ainda estava na sua mão.
Pediu uma dose de vodca ao garçom. E bebeu num gole só. Deixou a rosa e o dinheiro na mesa e saiu.
A rosa era apenas para ela amar.

sábado, 16 de julho de 2011

segredos de coração (histórias poucas) nº3

Liam Machado. Eram apaixonados. Por Machado. E um pelo outro.
Era um final de domingo. Quase sempre marcavam para lerem juntos. Nunca liam com outras pessoas ou sozinhos. Era meio que um acordo entrelinhas.
Eram apaixonados. Mas nunca disseram nada. Nem para eles mesmos. Nem para o silêncio. Um tomava café. O outro bocejava. Era tarde já. O tempo passava sem que percebessem. Desligavam-se do mundo sempre enquanto liam. Às vezes suas mãos se tocavam quando iam juntos virar a página e então riam sem graça. Era um pequeno encontro.
Era tarde já. Decidiram ler só mais uma página. Continuariam por outro dia. E de repente, como de impulso, um jogou sua boca na boca do outro. Rápido. E tão demorado. Até que se separaram e voltaram a ler. Não se olharam mais. Ali acabava algo, mas eles não sabiam. Acabava um mistério.
Por fim, passaram a não se ver mais depois desse dia. Não liam mais Machado. Não havia mais mistério.
Os domingos eram, agora, apenas domingos.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

segredos de coração (histórias poucas) nº2

- Ei, tinha que te contar um segredo.
- Qual segredo?
- Um meu.
- Conte-me.
- Calma, não tenho tanta coragem.
- Rápido, por favor.
- Por quê? Está com pressa?
- Um pouco.
- E está curiosa para saber o que tenho a dizer?
- Um pouco. Um pouco menos do que estou com pressa.
- Sei.
- Então!?
- Então?
- Qual o segredo?
- Ah, sim. É que eu ainda te amo.
- Pois eu não. Não mais.
- Mas eu ainda sei a cor de seus olhos.

O ônibus chegou. Ela subiu. E ele ficou com a cor dos olhos dela como sabor. Era vontade de mais.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

segredos de coração (histórias poucas) nº1

As folhas – poucas – voavam com o vento forte que vinha. Fazia frio. Pouco. Eram seis horas e alguns vagalumes tentavam clarear a noite.
Eles dançavam.
Era o frio. O frio que era pouco, mas era.
Poucas sombras tinham se formado. Só algumas árvores. Outras não se viam. Ainda eram seis horas. Só latir de cães. E porque ver algo que é o mesmo de dia? Mas as árvores eram vistas. Mas elas não eram as mesmas. Criavam um suspense em suas folhas.
Havia chocolate-quente. E um gato. Era o que havia de mais perto. Na verdade não era chocolate. Era café. Porque gostava de fumar. De vez em quando.
Bebia café, então.
Mas não fumava. Não agora.
E o gato era pardo. Ou era branco e as sombras das árvores o deixaram pardo, assim.
Mas nada era perfeito. Nada mais.
E como uma falta de ar, faltava-lhe algo. E cada vez era menor.
- Eu te amo, disse ele.
Alguém se levantou e tremeu. Fazia frio. Era pouco. Talvez fosse melhor ir para cama.
Aos poucos amanhecer.
Não era justo que o sol iluminasse seu rosto. Não era justo deixar sua tristeza ser iluminada.