quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Eu chovi
e o céu lacrimejou.
Foi uma noite em tormenta.

cirandeira

No primeiro passo eu olhava para o céu. No segundo, eu olhava o mar. No terceiro, eu olhei o chão e vi teus pés a cirandar. E os cabelos avoando com o vento que te abria o sorriso inteiro. Quase quebrei a ciranda quando me perdi em tu, mas meu coração logo se recobrou e pegou o passo e os pés se guiaram.
E fui pulando de mão em mão até chegar as tuas e segurá-las com a vontade de não soltar mais nunca. E descobri a cor de teus olhos quando eles me fitaram instantaneamente ao aperto das mãos. Tão negros quantos teus cabelos e tua pele reluzente ao sol. Tão negros que me perdi novamente, mas meu coração continuou ali, no batuque da zabumba, nos teus pés descalços, no sacudido do ganzá.
Já você não percebeu que minha mão queria amarrar-se à tua. E teus olhos voltaram para o mesmo estado de rodar e sorrir. Mas não há aperreação se o que me vale é o que contenho, mesmo que recém-nascido e que ainda precise de todo acalanto.
Eu que cuide do que me nasce. Você que cuide do que lhe nascer quando me aperceber no espaço de coração.
E vou rezando para que essa ciranda não acabe e meus dedos percam o instante dos teus.

domingo, 23 de dezembro de 2012

entrecortada

Silencia o mundo
Deito em tua cama, pois é lá onde encontro teu corpo. Pois é todo meu, o espaço e o tempo, e o físico incontável. Deito em teu peito para escutar o que reverbera e ressoa, o segredo visceral como arrebentação. Profundo. E meus olhos: perdidos.
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Poética
Abro um parêntese em meio ao teu olhar. Para o silêncio que ainda existe sobre os tons de tua íris.
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Deitado sob o céu
As estrelas desenhadas no teto de gesso não brilham como meu sorriso. Nem formam constelações. Quantas vezes elas já viram brotar amor desses lençóis encardidos que me acobertam?
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Fresta
Quando tu saíste, eu saí de mim. A porta se fechou e eu saltei pela janela que eram os olhos que viam teu adeus. Escorri pelo meu rosto e me provei nos meus lábios até secar.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

adorno


Como se teu beijo derretesse o mundo. Eu enlaço teu corpo nu com meus braços e enfeito minha pele de tua cor de aquarela. Mas teus cabelos estão postos ao vento, feito nuvem de sol. Como se teu beijo derretesse o próprio calor.
Ofegante, é o céu avermelhado que encobre pensamentos e a vista – em distúrbio agudo. Não sei que horas são e a madrugada consome sob trinta e nove graus o que resiste à temperatura. Eu resisto ao estado, em mente e pele; persisto ao segundo que tende a evaporar-se ao movimento do olho que pisca. Pisco e me visto de passado do piscar seguinte onde já estarei despido. Assim como prevejo minha mão em deslize por tuas costas.
Meus movimentos são condensados, mínimos e irreversíveis. E você parece estar plena sob os lençóis perfumados e tingidos de carmim nessa primavera sem flores, mas que floreia em minha boca.

sobre ilustração de Guto Stresser