terça-feira, 31 de janeiro de 2012

aprazível

Do teu corpo sobre o meu que nunca esteve. De teus olhos fitados aos meus que se utilizam de nossas roupas. Das mãos percorrendo meu sorriso, minha pele árida – tuas mãos macias – meus poros.
A luz do quarto iluminará nossos passos que não serão de pés, ou a dança, de todo o nosso corpo que será carne única, emaranhado-se. A música que cantarei entre as respirações urgentes de nossos suores melando os lençóis. De te olhar meu – de perto. E tu me olhar teu – entre-vista.
Não haverá resenhas, apenas nossas respirações, as batidas do coração acelerado, o enroscar dos dedos.
Não haverá tempo: apenas ali.
Consigo ver além da janela. O céu é claro, o tempo é inválido e frio. Tudo é uma poesia, pois nosso sangue – que é de nós – nosso sangue percorre minhas linhas e teus rabiscos. Extensão de nossos vasos sanguíneos. Será também continuação de nossa cama.
Já são horas. Deito no teu peito, tu deitas sobre meus sonhos. Nossos pés se amando. Abandona-se o cigarro vagabundo. Agarro-me no teu corpo. Teu cheiro é o que me percorre. Não quero a certeza do mundo, basta a certeza de nós.
para Gu

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

bodas de algodão (2 anos)

Andei pelos meus passos, mas não há cheiro de mofo. Nem sinais de bolor no que já foi escrito em meus cordéis. Vi o que senti, o que falei, o que quis ter às vezes tão intimamente – que nem eu mesmo sabia –, vi o que dei cria: embalei em meu colo quente.
Que passam as nuvens, as dores, aqueles amores.
Poucas coisas, confesso aberto, poucas ainda perpetuam hoje na pele. Alguma primavera, alguma estagnação, algum leão. Mas o primeiro verão ainda está longe e creio – de meus olhos que brilham – creio que chegarão algumas flores para mim, de um sorriso bobo, de um amor cativo, de um rabisco-poesia.
O que parecia tatuagem era só sujeira.  No mais, soltei sorrisos, pois ando de uma alegria que só meu coração e quem está enroscado nele entende.
E minhas veias levam o meu sangue d’utero para o que nascer.

domingo, 22 de janeiro de 2012

a rita

A menina pintou seus cabelos de vermelho, pegou a guitarra empoeirada e saiu. Em seu rosto um coração se pintava, em sua mão, o coração; em seu peito-vermelho. O vestido branco de noiva que usava arrastava algumas pedras pelas ruas de paralelepípedos desalinhados. O céu nublado que poderia chover mesmo que o sol se estampasse em seu sorriso.
    Caminha noturna a menina cor-de-sangue-amor. Seus passos inquietos. Incontáveis olhos de mercúrio a observavam e a julgavam naquele passar. Podem ser já as horas do fim da tarde, marca o relógio de vinte e dois rubis. Seu coração avoa em fuga, entre carros que passam pelo sinal vermelho. Ela corre pela cidade cinza que se traduz nela, em sua pele branca de vida, em seu pulso incógnito.
   Quatrocentos cruzeiros leva no bolso, mais as chaves do apartamento, um beijo, seu fruto proibido. Eu sei das horas que são, mas essa cidade parece acordar ou viver apenas agora. Os jogos da calçada, pintasse o chão de seus pés. Ela não liga, ela se inclina.
    O vento dá vida aos seus cabelos encobertos pelo véu. Ela fecha os olhos e ouve os sussurros do mundo. E sussurra.
    Hoje é dia 36.
   Seu coração de sal de fruta em copo d’água. Rota de seus olhos dentre pele, rota alterada: corre (corre). Envereda pela lua ativa que se supõe entre as nuvens escuras. Quais estrelas são seus dedos que se vestem em fantasias na melodia desenhada em sua epiderme – transparece.
    Roda o tempo, roda a menina, lança o perfume, roda a cidade, a cor cinza, seus cabelos em labirinto. Suas mãos se seguram e os pés dançam para não dançar na grande avenida: há sua chance, sua sorte, a saída. Ela enrosca-se à chuva que lhe lambe. A língua que beija a própria saliva.
    Hoje é o primeiro dia do resto de sua vida.
    (Algo mais?)
p.s. desculpem essas linhas tortas

Para a paixão da minha existência atribulada

sábado, 14 de janeiro de 2012

(da prosa e da poesia)

Poeticamente não gosto de pênis,
gosto de pau e de pica.
Em controvérsia me agrada
a vagina
(e a buceta também).

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

qualquer coisa sobre o lençol

Das coisas de amor que preparei, rasguei sem antes mesmo escrever, por que não há papel que caiba quando o vento não leva. Há um que de poesia mesmo nesse rascunho. Porque precisa-se de leveza quando o peso que colocam em mim. Mesmo abrindo-me em paz, querem passar em estandarte. Acho que minha mão não se encaixa em outra. Mesmo que eu queira a carne e alma, talvez o máximo que extraia seja a pele rasgada.
Não consigo pensar mais, me foge da mão aquela palavra e aquela outra e toda a frase. Queria estar alegre, mas a tristeza é uma vírgula.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

sobras

Na mesa o jantar a velas, o vinho, a toalha de renda. A janela aberta. De lua cheia se fazia a noite. De amor se fazia a casa. Violetas eram as flores no vaso de cristal barato. Violetas eram as flores que Marina mais amava.
    Quando o tempo lhe comeu mais uma hora naquela noite, Marina já estava meio embriagada. Também seus olhos queriam se fechar, pois vinho lhe deixava no risco de adormecer. Ela sorriu com seus olhos quase verdes – que Caio pensava serem azuis. Mas ela nunca disse que ele estava errado. Como também ela pensava que ele gostava mais de rosas que de orquídeas, e sempre no seu aniversário lhe dava um buquê dessas flores brancas e vermelhas em meio a tantos beijos: ele também nunca disse que ela estava errada – e deixava a casa se colorir mais pelas rosas.
   Meia taça de Saint Germain deixada para trás, Marina levantou-se da mesa meio cambaleando e abraçou Caio pelas costas. Suas mãos deslizaram pelo pescoço dele entre a barba mal-feita e o perfume cotidiano até o peito, e o coração acelerado.
    Ela lhe sussurrou um ‘eu te amo’ ao ouvido.
    O Portinari na parede. A Gal na vitrola.
    Despindo-se, ela caminhou leve até o quarto e deitou-se na cama. O sono veio no passo de uma respiração. Caio tomou o vinho que restava e seguiu o caminho de roupas deixado pela mulher. Ela caída na cama em sono, ele a ajeitou entre os lençóis: nua. Deitou-se ao seu lado como sempre fez, aconchegou-se ao seu corpo inerte e íntimo e quente de amor e vinho.
  Sua mão passeava pelos pelos atentos de frio que cobriam a mulher desnuda. Por entre seus cabelos, entre seus lábios. Por entre seus seios – dentre-pele –, ele penetrou no coração dela e, qual homem amado, arrancou dali todo sentimento que se fazia por ele. Cuidadosamente sem dor, sem alarde. Deixou o espaço em espaço-aberto, um vácuo, uma falta. Beijou-lhe a boca em vermelho-sangue, e a lua que parecia felicidade iluminou seus passos, pesados e incertos, de despedida.
   A manhã que nasceu clara veio acordar a mulher nua na cama. Uma cor amarela. Marina levantou-se sem saber o quê, mas sentiu aquela falta de que se tem notícias apenas quando intimamente morre algo-amor. Seus olhos procuravam-se.
    Fez um café amargo, sentou no chão do quintal, um cigarro de lado. Sentiu a dor no peito, um vazio de coração, desandou a chorar sem saber de quê. Um gole no café amargo, um choro derramado. Um dia de adeus.