quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

cansado

    Sinto um vazio enorme e desolador, de uma solidão imensa, de uma tristeza imensa, de um tudo imenso. O grito preso na garganta: o grito de socorro, mesmo que não sei por qual perigo eu estou passando. O perigo de me perder, de me achar, o perigo de me entender.
     Prendam-me, me torturem até descobrirem o que é isso que se infiltrou em minha pele. E descobrirem como extrair e me salvar.
       É o mar transbordando. É isso.
   É essa solidão que anda me acompanhando e como passarinho, carregando de pouco a pouco e construindo seu ninho. E aí ela cansada repousa em mim. Eu sou fraco e minhas pernas não agüentam o tamanho peso desse espaço vazio. Meus olhos cedem. 
      Só por essas horas: eu cedo.
    Se me aconchegasse em um colo, em um braço, em uns olhos, eu não cederia, porque não estaria tão cansado assim.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

noite apenas

    Contraída ao corpo dele, os olhos fechados sobre o ombro largo de homem vil. As mãos ásperas do homem a seguravam ao encontro do corpo seu. Ela era conduzida: ela vaga, ela nada. Quem dera, ela não estivesse ali, essa noite, nessa vida, esses olhos tão poentes.
     Seu vestido branco – porque gostava de branco, porque era cor de coisa nada – seu vestido branco era furtado pelas cores das luzes do bar.
     Lúcia, despertada do seu olhar inerte pelas palmas de quem assistia os casais dançarem, largou o homem vil e seu ombro escuro. Saiu do bar. Saiu para um céu pouco estrelado, porque a noite quisera esconder-se. Quem de longe percebia isso, pelos poucos bêbados e luzes da rua, e os bares quase mortos de gente. A noite não quisera hoje ser de ninguém.
    Mas Lúcia queria a noite, sem ninguém, sem quem, só a noite e seu mistério errante.
     E alguns pingos de chuva caiam sobre seu rosto de pouca maquiagem que usava para não esconder-se insustentavelmente. Olhou o céu e feriu os olhos de chuva fina que começava a cair; olhos de instante, que eram negros como a escuridão das ruas dessa noite que só quer a si mesma.
     “O que eu sou dessa noite? O que eu sou de mim, senão coisa perdida e seca”, disse ela sentando-se contraída no meio-fio sujo. “Quero apenas as mãos dessa noite me escorrendo em veneno”.
    Lúcia que nunca fora de ninguém – que intimamente nem sua era de verdade, de certeza, de amor – Lúcia queria ser da noite, queria ser a noite perdida nos devaneios de quem a absorve.
     Quando a chuva parou, as ruas pareciam de outra cor.
     O meio-fio abrigava Lúcia que tinha as águas da chuva escorrendo pelos seus pés. A chuva que levava tudo o que ela havia preparado hoje para si: a coragem e o não-pudor de ser noturna, de ser da noite, de não ser sua. Tudo escorria, escorria como coisa que não vale tanto.
     E o homem vil sentou-se ao seu lado, e novamente Lúcia encostou seus olhos descobertos no ombro dele. Lúcia era o próprio mistério e pouco sabia.