terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Sutilmente o que não é meu

Não vou mentir – nem quero – mas sou um pouco ladrão. Mas é diferente. Roubo muitas vezes o que não é de ninguém e não é de todos. Roubo o que também tem dono, o que está guardado e não quer ser dividido. Ou não pode.
É diferente, pois não é coisa material.
Apenas roubo para mim disfarçadamente, quase que imperceptível. Alguém pode sim perceber, mas é tão fugaz o meu roubo que ninguém se atreve a me apontar.
Roubo sorrisos, palavras escritas e faladas, roubo pensamentos, sentimentos – o meu mais doce vício –, roubo calor, intensidades, roubo o céu. Roubo tempo – e isso me cansa por ser de sua imensidão. Roubo inevitavelmente.
O que ainda sonho (ou é falta de coragem) é roubar um beijo. Não roubar no sentido de inesperado, mas no sentido de roubar um beijo dado a alguém outro que não eu. Acho que se me atrevesse a roubar seria um momento tão completo de mim que talvez fosse visível até a quem não quisesse enxergar. Então, roubo só o que um beijo pode mostrar.
Nesses casos, a única coisa que roubo é errado – por assim dizer. Por que o que é esperado de um beijo é felicidade, leve ou cortante, e o que eu quero é felicidade – leve ou cortante – e eu, e eu apenas pego entre os dedos uma tristeza que parece inevitável. 
Fico eu, então, com esse sentimento que não quero. E me contento com isso, porque devo me contentar. Guardo no bolso a tristeza e estou pronto. Pronto de novo para roubar.
Aqui estou eu: mais ladrão.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O que é o que é

Se recebo um presente dado com carinho por pessoa de quem não se gosta – como se chama o que sinto? Uma pessoa de quem não se gosta mais e que não gosta mais da gente – como se chama essa mágoa e esse rancor? Estar ocupado, e de repente parar por ter sido tomado por uma desocupação beata, milagrosa, sorridente e idiota – como se chama o que se sentiu? O único modo de chamar é perguntar: como se chama? Até hoje só consegui nomear com a própria pergunta. Qual é o nome? e este é o nome.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Como que faz

Como que faz pra não esperar o que ser quer? Como ter o tempo correndo junto à vontade? Como se faz pra não criar ilusões? Como que faz pra não ver o que não se quer ver, mas está diante? Como que faz pra esquecer o que se sabe? Como que faz pra esquecer o que se viu?
Como que faz pra dançar?
Como se faz pra se concentrar quando algo ocupa tudo? Como faz pra estrangular uma vontade que não pode ser saciada? Como se faz pra saciar uma vontade sem parecer estar iludido, ou estar dependente, ou ser ridículo?
Como que faz pra ficar perto quando se quer estar tão mais perto: quase que inteiro? Como se faz pra não chorar quando se está triste? Como que faz pra tirar a tristeza, senão chorando? Como alguém pode não chorar ouvindo Cartola dizer que o mundo é um moinho?
Como se faz pra cicatrizar? Como se faz pra seguir adiante? Como que faz pra ser feliz? Como se faz pra ser inteiro? Como se faz pra não ser só metade? Como se declara um amor sem parecer bobo – sendo isso tão bonito?
Como se faz para que as palavras não sejam tão amargas? Como se faz pra receber carinho espontâneo de quem se ama? Como se faz pra descobrir uma alma? Como saber se há sinceridade?
Como se respira o mundo? Como não confundir o que tenho com o que quero dar? Como que faz pra não confundir o que quero dar com o que posso dar? Como não deixar meu sorrido tão amarelo?
Como se grita – aonde há silêncio?
E o que quero mais saber: como que faz pra desamar? “Porque deixar de amar não é normal, não se desama dando um mero tchau”. Então, como que faz?