sábado, 22 de setembro de 2012

amor do dia (trancelim de ouro)

Tem o dia amanhecendo e ela acordada desde as cinco horas. Café passado no fogo esperando fervura, vassoura na mão pra varrer o terreiro, vestido florido de rodar quando se dança. Ela agua os pé-de-plantas nas caqueiras e as tulipas nos vasinhos que enfeitam as duas janelas. Escancara o restante das portas para abrir de vez a venda. Três portas amarelas grandes e senhoras.
Passa Dona Zefinha e um bom-dia. O cheiro do café fervido já chega na outra esquina. E chega também o pão vindo de lá da padaria de Seu Messias, que sempre manda um sonho de cortesia. Ela sempre sorri e agradece.
Café na garrafa, pão na vitrine do balcão. Pendura as cordas, o barbante, o fumo de rolo e a mortadela. Tira a poeira dos potes de confeito e das prateleiras meio vazias – que é já fim de mês. E se debruça sobre o balcão e espera.
E vem um menino que compra um real de pão e outro de mortadela, vem um bom-dia só de passagem, e vem um que pede um pequeno. E a manhã vai se arrastando entre conversas e calor ameno. O sol se preparando para ficar a pino no mesmo tempo que o cheiro dos almoços incensa a rua.
É quando vai dando a hora e ela já se pronta de espera. É quando ele adentra a venda de mocassim e calça social, camisa abotoada até o pescoço e embrulho debaixo do braço. Encosta-se no balcão e pede um quartinho para abrir o apetite. O perfume de alfazema a faz sorrir de dentes amarelos. Ele sorri de volta e fala do tempo quente. Ela acha que chuva só lá para o fim do mês.
Outro quartinho para aquecer de vez a goela, coça a barba, olha a hora. Tira do bolso um trancelim para pagar a cachaça. Os olhos dele brilham inda mais que o sol. Oferece o pescoço para que ele mesmo o coloque, e ela sente cócegas na delicadeza do instante.
Ele vai embora com a fome que lhe consome, e ela fica ali com o amor que lhe aperta.