Tem o dia
amanhecendo e ela acordada desde as cinco horas. Café passado no fogo esperando
fervura, vassoura na mão pra varrer o terreiro, vestido florido de rodar quando
se dança. Ela agua os pé-de-plantas nas caqueiras e as tulipas nos vasinhos que
enfeitam as duas janelas. Escancara o restante das portas para abrir de vez a
venda. Três portas amarelas grandes e senhoras.
Passa Dona
Zefinha e um bom-dia. O cheiro do café fervido já chega na outra esquina. E
chega também o pão vindo de lá da padaria de Seu Messias, que sempre manda um
sonho de cortesia. Ela sempre sorri e agradece.
Café na
garrafa, pão na vitrine do balcão. Pendura as cordas, o barbante, o fumo de
rolo e a mortadela. Tira a poeira dos potes de confeito e das prateleiras meio
vazias – que é já fim de mês. E se debruça sobre o balcão e espera.
E vem um
menino que compra um real de pão e outro de mortadela, vem um bom-dia só de
passagem, e vem um que pede um pequeno. E a manhã vai se arrastando entre
conversas e calor ameno. O sol se preparando para ficar a pino no mesmo tempo
que o cheiro dos almoços incensa a rua.
É quando vai
dando a hora e ela já se pronta de espera. É quando ele adentra a venda de
mocassim e calça social, camisa abotoada até o pescoço e embrulho debaixo do
braço. Encosta-se no balcão e pede um quartinho para abrir o apetite. O perfume
de alfazema a faz sorrir de dentes amarelos. Ele sorri de volta e fala do tempo
quente. Ela acha que chuva só lá para o fim do mês.
Outro
quartinho para aquecer de vez a goela, coça a barba, olha a hora. Tira do bolso
um trancelim para pagar a cachaça. Os olhos dele brilham inda mais que o sol.
Oferece o pescoço para que ele mesmo o coloque, e ela sente cócegas na
delicadeza do instante.
Ele vai embora
com a fome que lhe consome, e ela fica ali com o amor que lhe aperta.