sábado, 19 de janeiro de 2013

dona maria sem terra

Nas andanças dos dedos, e dos olhos (e das linhas que os arrodeiam), há o peso de todo chão pisado. A pele ressecada pelo sol, de cor queimada de sol, transparece todo o muito tempo em espera do próprio tempo que não chega. Seus olhos fixos na janela aberta que da à vista a estrada-sem-fim de terra batida, que nem os olhos de quem perdeu ao mar e espera que as águas salgadas tragam de volta. Confunde-se com esperança, mas logo se acostuma à dor. Das mãos que às vezes não sabem o que fazer ou dos dentes que não sabem mais sorrir.
A vida às vezes também não sabe o que quer. Há uma flor já despetalada e ressecada no vaso. Resquícios de outono ou outubro. Já nem se lembra mais. Nem que flor era, nem que tempo é. Nem a própria flor sabe de si, porque houve um abandono de tudo, até do sentimento mais absurdo e essencial.
Não há um chão que conte de seu. Desde pequena, recém-parida, porque veio no sangue, que deu o nome – nome-próprio – de batismo e de destino. Não é questão de dinheiro, é coisa de corpo, de não ser, de sina. Por mais alto que seja, nunca haverá nuvens aos olhos. Por mais morta que esteja, não haverá cova que seja sua. Que nem a terra grudada nas suas unhas lhe pertence.
E todo chão que pisa é invasão. Seu único ter é o próprio corpo: latifúndio. E os sonhos – que os olhos fechados lhe permitem viver.

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vírgula