quinta-feira, 4 de março de 2010

Três quase quatro


Eram umas três e meia. No meio da madrugada eu acordei. Não me lembro de ter sonhado e por isso não sei se acordei de sonho. Eu me acordei! Sei que senti sede. E tinha que beber água naquele instante – acho que não dormiria de novo se não matasse a sede. Acendi a lâmpada do quarto e fui até a cozinha. Bebi e voltei.
E ao entrar no meu quarto vi na parede atrás da cama uma barata. Perto do teto: uma barata. Não sei se foi a luz acesa que a despertou ou se ela aproveitou o escuro para andar pelo mundo. Mas algo em mim dizia que o escuro lhe convida a andar, porque no escuro ela estaria protegida.
E vendo-a ali, se aproveitando do escuro, eu imagino: que também se aproveita de meu sono para andar por tudo o que é meu; e me pergunto: que planos terá ela nesse escuro enquanto durmo? Quem sabe que planos terá ela nesse escuro. Sei agora que ela anda por tudo que é meu. Tudo que está ali pode ter sido tocado por ela. Tudo ali pode estar impregnado dela. E isso me dói: saber que tudo que é meu pode ter sido tocado por mãos (patas!) estranhas a mim. Estranhas de mim. Logo enquanto durmo. Logo quando julgo estar protegido.
Ela então desceu até a prateleira pendurada na parede e foi andando entre os objetos como se procurasse por algo. Parecia desconfiada. E vendo-a andar por ali não consigo parar de imaginar por onde mais ela pode ter andado no escuro do meu quarto. Talvez ande por mim, e me percorrendo descubra meus segredos, minhas cicatrizes. Talvez ela me investigue. Talvez ela veja os meus sonhos ou roube qualquer insignificância minha. É. Talvez.
Ou talvez ela me beije, talvez ela apenas me ame. E aproveita o escuro para esse amor. Não sei bem. Sei que tudo pode ser nesse escuro.   
E não ter a certeza do que ela faz nesse escuro é o que me dá medo. Não, não tenho medo de baratas. Tenho nojo. Não sei necessariamente porque, mas tenho nojo. O medo que falo é do desconhecido. E de estar tão vulnerável. (Eu que me julgava protegido!).
Com a necessidade de proteger meus segredos do mundo, de impedir que aquela barata possa talvez contá-los, eu me armo com uma sandália, decidido. Decidido a matá-la. Decidido a me proteger. Tenho eu essa coragem.
Tenho eu coragem de proteger o que é meu intimamente.
E com um golpe com toda a força que reuni naquele instante tentei matá-la. Mas ela fugiu tão rapidamente, se escondendo entre os vinis. Ela havia me descoberto. E havia medo nela agora. Eu não sentia, mas sabia. E esperei até que ela saísse do seu esconderijo. Quieto, esperei, pois o silêncio dessa hora me mantinha assim. Foi quando ela decidiu sair se esgueirando. Avancei sobre ela. Acho que por susto ela caiu na minha cama. Correu e jogou-se no chão e se escondeu no cantinho entre a parede e a cama. Eu a via, mas não a ataquei. Ela sabia que era vista, mas fingia estar invisível.
Subi na cama para observá-la do alto. Queria ficar – estar – superior a ela. E com susto foi que vi que ela não estava mais ali. Aproveitou o meu descuido e fugiu. Na tentativa de ser superior, fui inútil em proteger qualquer segredo meu de qualquer plano que aquela barata teria.
Como poderia dormir assim agora? Sabendo estar desprotegido, sabendo que podem saber de mim (meus segredos)? Ela bem que poderia estar apenas esperando que eu dormisse e daí então... então... então! Então: não faço ideia. Apenas meu medo era maior. Como poderia dormir assim? Quase quatro horas e o sono me fazia cansado e meus olhos insistiam em procurar a barata. E meu corpo se mantinha imóvel.
Foi que o sono apertou. E me forçou.
Fui deitando. Desliguei a luz com receio, pois tudo ficaria escuro de novo. E de novo ela se refugiaria em tudo, tudo seria seu. E com desconfiança cravada nos dentes fechei os olhos. E o sono me chegou mais: dormi.
Descobri no outro dia que a barata foi encontrada morta na sala. Sem ninguém ter lhe matado: estava morta. Sei que existem milhões de baratas pelo mundo, mas prefiro acreditar que era ela – a mesma barata da noite anterior – era ela que estava morta.
Pois bem, acredito em duas possibilidades de sua morte. Acredito que ela morreu porque descobri o seu segredo. Descobri que ela me observava no refúgio do escuro. E nada que é vivo pode existir sem um segredo que seja só seu. E o segredo dela eu havia descoberto. Havia lhe tirado a vida. E se ela realmente descobriu algum segredo meu: não sei, sei apenas que ainda vivo. Talvez ela tenha descoberto o segredo errado – tenho vários. Talvez ela não tenha descoberto o segredo que simplesmente me tira a vida.
Ou talvez ela tenha morrido por me amar mesmo. E vendo que eu não a amava, não tinha porque mais viver. Não que meu amor seja tão essencial assim. É que meu não-amar é ácido e amargo.
E imaginar que ela morreu por ter sido descoberta é o melhor destino. Me dói menos.

3 comentários:

  1. A Barata Que Me Acordou{atraves de uma msg}as 4 da manhã hauhauahau
    Eu com pena{e me acabando de rir}do meu Melhor amigo,tadinho

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  2. A barate se suicidou...Ao saber seus segredos.

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