quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

pela janela todo o mar

Seja agora fim de tarde, o pôr-do-sol que nascia. Ela ainda esperava na janela. Seus olhos que acompanhavam o mar, as ondas no vem e trás e leva, e a sua cor que muda com a cor do mar. Tanto tempo se passou, de tanto amor que se foi. Às vezes seus olhos se cansavam do horizonte e penetravam qual raio X nas águas.
Ela já era a construção da janela (tijolo, cimento, madeira), de estética, de costume. Sua ausência era a destruição de um dia, um insignificado. Detrás da cortina de renda os seus olhos repousam ou protegem-se. Seja vento norte ou oeste, dançam a cortina e seus poucos cabelos brancos de alguns vinte e poucos anos. Uma dança em frente aos seus olhos, um convite ou acaso. O mesmo vento que parece trazer e levar o mar – pequeno.
Mas ela sabe que o mar é vida-viva própria, que ele é senhor de si. Não há vento que o guie, que o mande ou o desfaça. E que quando se arreta não há terra firme, ou marítimo. Marulho evocador de alma em arrebentação.
Foi assim que aquele homem quebrou-se em ondas. Um mar em arretamento, um homem sem estar. Ele jogou-se as ondas, adentrou o mar. Ele inteiro ao mar, o mar dentro dele, ele dentro do mar, as águas em turbilhão. Sua pele salgada, seus pulmões cheios d’água, seu prazer incontestável. Sobraram só as roupas, molhadas e salgadas, para os olhos de quem assistia.
Os olhos de mulher – os olhos da mulher – viam imóveis as águas devorarem todo o homem. Cuspiram suas roupas e impurezas, as quais ela catou. As roupas foram enterradas como corpo que foi comido. As impurezas foram comidas como restos indissolúveis.
Ela ainda espera na janela alguma coisa só sua, que ninguém ou outrem possa imaginar. Dizem que o mar é sua paixão, qual homem devorado adentrou e foi adentrado. Dizem outros que é a espera da carne resto do que o mar comeu. Ou seus olhos se perderam na marola. Ou ela mesma não quer voltar.

3 comentários:

  1. Que lindo.
    Há perdas que nem as lembranças ou recordações curam. Elas ficam - nos levam.

    Você é ótimo, Bruno.

    ResponderExcluir
  2. O blog contém nicotina? Contendo ou não, viciei-me.

    ResponderExcluir
  3. Um de seus textos mais lindos. Parabéns!

    ResponderExcluir

vírgula