segunda-feira, 16 de maio de 2011

esquecer-se

Ele abriu os olhos depois de algum tempo. Sentado na cama de casal que havia comprado há pouco mais de um mês, olhava o guarda-roupa escancarado e as gavetas jogadas pelo chão: tudo vazio. Nem roupas, nem sapatos, nem os filmes e nem os livros de Paulo estavam lá. Nem o próprio Paulo estava mais. Paulo sumiu no meio da noite – ou bem ao amanhecer – e levou tudo que era seu. Deixou apenas o seu cheiro impregnado no lençol e o amor no coração de Antônio.
    As coisas entre eles não andavam bem, mas essa não era a primeira vez. Como qualquer gente eles tinham suas não-felicidades, seus ataques de ciúmes, suas crises existenciais. Mas não conseguiam passar mais que um dia brigados e corriam um para o outro pedindo desculpas enjoativamente e se amavam ali mesmo onde estivessem.
    Antônio, com seu pijama (que não passava de uma cueca), se aquecia com o lençol, e ainda olhando o guarda-roupa vazio custava a acreditar. Seria ele tão insignificante que não merecia uma pouca explicação, um adeus banal e medíocre?
    Pensar parecia inútil, simplesmente porque pensar não levaria a canto nenhum, simplesmente porque não havia aonde chegar. Acendeu o cigarro de desjejum e bebeu o café frio e aguado deixado no criado-mudo na noite passada.  A cortina amarela deixava o sol entrar tranqüilo pelo quarto. Era hora de esquecer-se de amar.

3 comentários:

  1. tem horas que esquecer é sempre melhor...
    esse mês é isso pra mim: esquecimento.
    Nada mais. Embora eu saiba, tristemente saiba: não esqueço.

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  2. E esquecer tem como? A gente tenta fazer com que fique latente, ali quietinho, sem incomodar. Nem sempre funciona. Texto bonito, lembrei de Um Branco Um Xiz Um Zero logo no começo, uma das minhas preferidas na voz da Cássia Eller:

    "Você partiu e me deixou
    Sem lamentar o que passou
    Sem me apegar ao que apagou e acabou"

    Abraço!

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  3. Esquecer é uma maldade, porque a gente é obrigado, ninguém pergunta se a gente quer, se tá afim, nada. Vem esse maldito abandono e nos força a fazer algo que não estamos preparados. Sacanagem.


    Beijo, belo.

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