segunda-feira, 2 de maio de 2011

de repente

Maria o amou desde o instante que o viu numa festa na casa da amiga jornalista: sorriso aberto, barba, camisa de flanela xadrez verde, o copo de vodka na mão. Já ele, não se lembra quase de nada. Bem, nunca se apaixonou, não era ligado em coisas de detalhes e tal. E lembrar-se de muitas coisas era demais para a primeira paixão. O que ele lembrava apenas era que os olhos dela penetraram nos seus.
    Dormiram juntos e no dia seguinte Maria já havia se mudado para casa dele. Ela se mudou por que a casa dele era maior e os gatos já eram acostumados com o cheiro dali. Ela trouxe seu pé de café, o pé de comigo-ninguém-pode, o relógio de vinil, a coleção de Mário Quintana. Organizou tudo para que ali não fosse mais a casa dele e sim “a nossa casa”.
    Na semana seguinte ele dormiu no sofá depois que ela bateu o pé dizendo que ele tinha olhado para a mulher da mesa ao lado no bar.
    No mês seguinte ela viajou para a casa dos pais no interior do estado, só uns dias, uma semana. Quando voltou o pé de café estava morto de tão seco de falta de água. Ela esbravejou. Jogou nele o que estava ao seu alcance, quebrou quase muita coisa. A maior confusão. E de noite fizeram amor no tapete da sala.
    Era quinta-feira e Maria acordou cedo, como de costume. Abraçou-se a ele e ali ficou até ele acordar. Ele abriu os olhos devagar com uma vontade de não acordar e beijou Maria como um bom-dia. Ela sorriu e disse que estava indo embora para sempre. Ele passou a mão em seus cabelos emaranhados e sorriu de volta; fechou os olhos para dormir novamente.
    À noite, eles esperavam o sono chegar, cada um em sua casa: ela com vinho, ele com café. Sem saudades, sem remorsos, sem. Que tudo que chega de repente, repentinamente também pode partir.

Um comentário:

  1. Engraçado, li isso ouvindo a Taviani cantando "hei, perdoa, é que eu amo demais e isso me atordoa à toa..." e caiu muito bem.

    Bonito essa coisa assim efêmera mais intensa, escrevo sobre isso há dias. Tô quase que já acostumado com a desconstrução do amor lírico.

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