domingo, 5 de fevereiro de 2012

em oferenda

Ela enfeita-se de branco na roupa, bordados, flores de chita, brincos de espelho, batom vermelho, dedos pesados de anéis que contam mais que os próprios dedos, unhas, pulseiras, penduricalhos, balangandãs. Seus pés estavam nus. Ou vestiam areia.
Fevereiro estava findando seu primeiro passo. Eram os últimos suspiros daquele dia. A noite se estrela em estrelas.
E ela também suspira: em fim.
Havia também escrito uma carta para essa mãe de orixás. Seu corpo era a folha reciclada. As palavras rabiscadas que se contorciam pelas suas curvas, como nos seios. As entrelinhas eram seu coração. Seus pontos: seus sinais. Os dentes brancos. Seus pelos eram. E seu vestido branco bordado cobria e guardava o que escrevera. Por que não é para os olhos de ninguém, apenas para as mãos dessa rainha do mar.
Seu corpo cheirava a incenso de maça com canela, vermelho, como as rosas que repousam na areia, livres do aperto de suas mãos intensas. De suas unhas rasgantes. Mas sua boca era de fumaça do cigarro que queimava.
O mar estava aberto. Chamava e se despedia. E seus olhos o penetravam imensamente. Os cabelos voavam em dança de encanteria. Pareciam negros que eram, ora pareciam azuis. Em dança de seu corpo parado.
Mas não havia relógios, nem ponteiros, mas fevereiro entrava em seu segundo passo. Ela bem sentia. E levantou-se quieta, apanhou as flores sujas de areia. Seus passos se marcavam na areia molhada do caminhar leve. As ondas tocavam seus pés, puxando-os, amando-os. Seu corpo em pano branco já se perdia nessas águas.
Águas que se abriam: como caminho. Seus pés já pareciam terem sido marcados ali. Pareciam estar em paz, em casa, em coração.
Até seus cabelos se marcarem qual água-viva que bóia na água, flutuando nesse mar que parece vinho.
O mar a engoliu qual vestido cobre o que é seu. Sua carne era comida.
Iemanjá a recebeu em oferenda. Em canto de flor.

4 comentários:

  1. Errou no ebó, Iemanjá levou. haha

    Brincadeiras à parte, texto intenso. Bonito.

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  2. 'Até seus cabelos se marcarem qual água-viva que bóia na água, flutuando nesse mar que parece vinho.' que imagem!

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vírgula