quarta-feira, 2 de março de 2011

entrelace

O dia chuvoso, quase abafado, e o quarto tomado pela fumaça do Camel; deitado na cama, olhando as estrelas e os planetas e as luas no teto que brilhavam quando era escuro. O pensamento vago, perdido de nem ele mesmo saber onde. O telefone tocou e cortou o silêncio.
   Rodrigo caminhava ao lado do mar quando ligou para Thiago. Sob o sol, sem nuvens, e o mar. Exatos dez anos que se conheciam, que conversaram pela primeira vez. Uma década inteira, e como o tempo passou sem que eles percebessem tanto.   
   Naquela época Thiago estava começando a conhecer o mundo, não sabia de amor, não sabia bem sobre a vida, poucos amigos, não sabia de ¼ do homem que era. Morava com os pais e tinha um sorriso solto, e a inocência febril que pode ser mortal. Ele tinha sonhos, como quase qualquer outro pode ter, sobre ter seu príncipe encantado que o defenderia para toda a vida. Escrevia poemas lindos e coloridos de rimas que mais tarde até o envergonhariam um pouco. Ele exalava algo especial, que partia daquele coração ainda virgem.
   Do outro: Rodrigo vivia numa fase diferente. Era mais velho, morava só, se divertia de si mesmo e dos outros, sabia da dor das mentiras, tinha algumas marcas leves da vida sobre a pele. Gostava de sol, mas o frio lhe era reconfortante.
   Depois da primeira conversa – desde ali que se amaram – depois de outras tantas conversas veio uma noite em que eles se encontraram. E Rodrigo serviu a primeira dose de cachaça que a garganta de Thiago viu, serviu a primeira dose de carinho que a pele e o coração dele puderam sentir. Embriagou-se de amor e de álcool.
   Aquela noite foi apenas aquela.
   Nunca mais se tocaram como ali.
   E o tempo os transformou. Thiago sabia mais sobre a vida, sabia do que as pessoas eram capazes e já trazia certas marcas de guerra tatuadas; ganhou peso, e o sorriso: mais sedutor. Já havia se acostumado ao tom da cachaça, escrevia como poeta e era apaixonante. Ainda esperava pelo príncipe que lhe salvaria das lesmas nas noites de chuvas. Rodrigo ainda ria de si e dos outros, havia emagrecido, as marcas mais cicatrizadas sobre a pele (que não queria dizer que doíam menos), e a necessidade de ajudar quem pudesse. Acreditava nas estrelas e em borras de café. Tinha se acostumado mais com a dor de se viver.
   Durante os anos eles se conheceram melhor, como ninguém mais os conhecia. Viam-se inteiros, sem os disfarces enxergados pelos olhos alheios. E a cumplicidade que existia os faziam viver na vida um do outro quais atores coadjuvantes. Como quando alguém feriu mais uma vez Rodrigo e na noite voraz suas lágrimas caíram sob o colo de Thiago que foi ajudá-lo com a dor. Como quando Thiago achava um pretendente para o posto de príncipe encantado e Rodrigo fazia de tudo para que ninguém o machucasse.
   E no final da ligação Rodrigo perguntou entre os sorrisos: “- porque nós nunca namoramos?” O silêncio de Thiago por alguns segundos já era a resposta: ele não sabia o porquê.
   Talvez eles tivessem medo, ou simplesmente não era para acontecer – coisas de destino. A certeza era de que se eles tivessem namorado não se conheceriam como são, e sim com o mesmo olhar alheio da maioria das pessoas que passaram pela vida deles.
   E Thiago tinha a certeza de que todo aquele sentimento entre eles era o mais perto que ele havia chegado do amor.
para Roberto Torta,

5 comentários:

  1. Sendo um escritor, e um tão talentoso, você entende que não há no mundo um prazer mais sublime do que se enxergar em uma obra, um verso, uma frase... Você agora transcreveu a linha da minha vida, e eu me encontrei em suas palavras, e gostei do que senti, a ler-me em 3º pessoa.
    Não posso agradecer de maneira equivalente o bem que me fez e faz, um príncipe mesmo.
    Obrigado...
    :)

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  2. Caralho, cara, que bonito isso. Eu confesso ter um pouco de preguiça de textos só um cadinho maiores, mas mal percebi que nesse tinha tantas linhas, o ritmo ficou ótimo e o conteúdo é sem comentários.

    Nas relações, há um limite seguro para conhecer o outro, e como "ver é irreversível", não há caminho de volta quando se conhece alguém tão verdadeiramente. E conhecer verdadeiramente talvez seja uma forma muito sublime de amor, sem beijos, sexo ou carícias.

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  3. O amor é válido em qualquer pedaço.

    Beijo, você sempre intenso ;*

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  4. Eles não precisavam de algo como um 'namoro' porque o amor deles não precisava de definição alguma, era bom demais do jeito que era, muito menos uma convenção social tão fraca (assim como qualquer outra convenção social).
    E, seu Bruno, eu sei reconhecer prosa autobiográfica quando eu leio. ;)

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  5. " Depois da primeira conversa – desde ali que se amaram – depois de outras tantas conversas veio uma noite em que eles se encontraram. E Rodrigo serviu a primeira dose de cachaça que a garganta de Thiago viu, serviu a primeira dose de carinho que a pele e o coração dele puderam sentir. Embriagou-se de amor e de álcool.
    Aquela noite foi apenas aquela."

    puta merda (desculpa)
    excelente!

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