quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

sobras

Na mesa o jantar a velas, o vinho, a toalha de renda. A janela aberta. De lua cheia se fazia a noite. De amor se fazia a casa. Violetas eram as flores no vaso de cristal barato. Violetas eram as flores que Marina mais amava.
    Quando o tempo lhe comeu mais uma hora naquela noite, Marina já estava meio embriagada. Também seus olhos queriam se fechar, pois vinho lhe deixava no risco de adormecer. Ela sorriu com seus olhos quase verdes – que Caio pensava serem azuis. Mas ela nunca disse que ele estava errado. Como também ela pensava que ele gostava mais de rosas que de orquídeas, e sempre no seu aniversário lhe dava um buquê dessas flores brancas e vermelhas em meio a tantos beijos: ele também nunca disse que ela estava errada – e deixava a casa se colorir mais pelas rosas.
   Meia taça de Saint Germain deixada para trás, Marina levantou-se da mesa meio cambaleando e abraçou Caio pelas costas. Suas mãos deslizaram pelo pescoço dele entre a barba mal-feita e o perfume cotidiano até o peito, e o coração acelerado.
    Ela lhe sussurrou um ‘eu te amo’ ao ouvido.
    O Portinari na parede. A Gal na vitrola.
    Despindo-se, ela caminhou leve até o quarto e deitou-se na cama. O sono veio no passo de uma respiração. Caio tomou o vinho que restava e seguiu o caminho de roupas deixado pela mulher. Ela caída na cama em sono, ele a ajeitou entre os lençóis: nua. Deitou-se ao seu lado como sempre fez, aconchegou-se ao seu corpo inerte e íntimo e quente de amor e vinho.
  Sua mão passeava pelos pelos atentos de frio que cobriam a mulher desnuda. Por entre seus cabelos, entre seus lábios. Por entre seus seios – dentre-pele –, ele penetrou no coração dela e, qual homem amado, arrancou dali todo sentimento que se fazia por ele. Cuidadosamente sem dor, sem alarde. Deixou o espaço em espaço-aberto, um vácuo, uma falta. Beijou-lhe a boca em vermelho-sangue, e a lua que parecia felicidade iluminou seus passos, pesados e incertos, de despedida.
   A manhã que nasceu clara veio acordar a mulher nua na cama. Uma cor amarela. Marina levantou-se sem saber o quê, mas sentiu aquela falta de que se tem notícias apenas quando intimamente morre algo-amor. Seus olhos procuravam-se.
    Fez um café amargo, sentou no chão do quintal, um cigarro de lado. Sentiu a dor no peito, um vazio de coração, desandou a chorar sem saber de quê. Um gole no café amargo, um choro derramado. Um dia de adeus.

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